13/11/2011

Steampink

Boa tarde, pessoal. Atendendo a pedidos, eis aqui meu primeiro excercício no campo da resenha/ crítica literária. Para iniciar a empreitada, discorro algumas palavras sobre Steampink, antologia de contos steampunk escritos exclusivamentes por mulheres. 
Antes de mais nada, cabe aqui explicar um pouco sobre os critérios de avaliação em que me ampararei, evitando assim uma leitura excessivamente impressionista, o que, a meu ver, não seria muito proveitosa. Ao comentar os textos a seguir, tomo como prioridade a forma (sim, sou aristotélico), isto é, que procedimentos estéticos foram utillizados pelas autoras para construir suas narrativas. Isso não implica dizer que desprezarei o conteúdo, até porque, os bons entendedores da crítica sabem que isso seria impossível, bem desastroso, já que o próprio conteúdo pode determinar a forma. Também não darei nota ao livro ou aos contos por achar isso uma medida muito determinista e rotuladora. Cabe ao leitor desta resenha interpretar o texto e levantar suas próprias especificidades a posteriori. Sendo assim, mão à obra!

Sobre o processo de edição
A Estronho é uma editora muito recente no mercado, mas que já chama muito a atenção por sua proposta de encher os olhos do leitor com livros não só aprazíveis no campo da leitura. Isso é visto com facilidade em Steampink (Belo Horizonte: Estronho, 2011). Tanto capa e diagramação estão muito bem feitas, cumprindo o papel de cativar quem se depare com ele, convidando posteriormente a ler seus 13 contos. O livro traz cuidado esmeradíssimo, inclusive no interior. Não tive dificuldades para ler, mas achei o tamanho da fonte um pouco pequeno, o que pode, acredito, causar algum entrave a quem tiver eventuais probleminhas de visão. A revisão deixou muito a desejar, infelizmente. Digo "infelizmente" por gostar e reconhecer o empenho da editora em propagar a Literatura Fantástica, mas é fato que que em absolutamente todas as narrativas percebi falhas nesse sentido, fato devidamente confirmado e comentado pela editora aqui, corroborando sua humildade em reconhecer e evoluir com seus lapsos. 
No mais, a organizadora Tatiana Ruiz pôs a mão na massa para selecionar 13 narrativas que compusessem um panorama da produção steampunk brasileira de autoria feminina. Romeu Martins, do Conselho Steampunk assinou em baixo a proposta através de seu prefácio. E quanto aos conto? Bom, vamos a eles.

Modernizando o passado

A expressão deste subtítulo cai como luva aos pressupostos da temática steampunk. Além disso, ela mostra que muitas autoras se destacaram pelo saudável caminho de remeter/dialogar/reverenciar as tradições literárias. Isso notadamente enriquece suas narrativas e abre mais possibilidades de leitura. Exemplo clássico disso é "O pena e o imperador", da Nikelen Witter, que deixa clara a influência machadiana tanto no conteúdo, já que o enredo nos apresenta um cientista reflete sobre a composição ou existência da alma humana, partindo de seus procedimentos científicos (difícil comentar sem entregar o ouro), quanto na forma, em que narra apontando leves intrusões: "É mais fácil acreditar na conversa que o Pena teve com o padre Onório e este contava sempre que tomava um cálice a mais de vinho da Eucaristia[...]" (pg. 132). Já em dois contos "primos", Ha-Mazan, da Lidia Zuin, e "Homérica Pirataria", da Dana Guedes, ambos contos retratando o mundo das nevagações audaciosas, percebi um pouco da sombra de um dos maiores capitães de todos os tempos (não, não é o Jack Sparrow, amigo: Ahab. O famoso personagem de Moby Dick é famoso por sua obsessão doentia em vencer a lendária baleia branca. De forma similar, os protagonistas dos dois contos aqui comentados agem de modo parecido. Os contos então sustentam um ar heróico, grandioso. O que muda é a forma: enquanto em "Homérica Pirataria" vemos certa reverência não só a Mellville, mas às história de pirata que lemos desde a infância, "Ha-Mazan" ousa por trazer uma tripulação totalmente composta por mulheres inescrupulosas e também por brincar com a focalização, uma vez que o leitor pode perceber que ela se aterna entre as figuras da capitã Izobelle e de sua "escudeira" Yamka. 
Se os dois contos supracitados dialogam de modo mais velado com a tradição, em "O poeta, a donzela insolente e o livro do tempo", da This Gomez, ela está escancarada em cada linha, tanto que vemos a ficcionalização de dados biográficos do mestre Álvares de Azevedo na composição da narrativa. De final muito bem arranjado, o conto também é feliz em evitar descrições exacerbadas e cansativas situando o leitor da maneira mais prgmática possível: "Itaboraí, Março de 1852" (pg. 50). A amiga (a quem já entrevistei aqui) Amanda Reznor parece ter optado pelo mesmo recurso, voltando-se apenas para uma narrativa mais suave, o que comprova seu tino para a literatura infanto-juvenil. Talvez o leitor se pergunte se os corvos mecânicos que são lubrificados com sangue de "A dama dos corvos" sejam realmente suaves. A meu ver sim, pois a violência está muito estilizada, o que a suaviza. O fato de termos corvos lubrificados com sangue em sua temática é algo inverossímil, o que contribui para a inquietação típica do texto fantástico, apenas. Além do mais, os corvos nao compoem o cerne da narrativa, que busca uma versão alternativa para o surgimento do gramofone. 
Diálogo interessante de se vertambém pode ser visto no conto da organizadora da antologia, Tatiana Ruiz. "Sem mais finais felizes" adapta uma das histórias mais adaptadas de todos os tempos, a de Chapeuzinho Vermelho, para o cenário do vapor.



Incursões estéticas interessantes


Durante a leitura de Steampink o leitor também se deparará com contos que ganham muito a partir da forma mesmo. Em "Sonha o corvo um sonho negro", da Leona Volpe, a narração faz com que uma típica história-de-amor-água-com-açúcar  se torne algo legal de acompanhar, já que o tempo todo a narração parece ser em segunda pessoa, forma narrativa arcaica e muito pouco usada, evitada, por ser considerada pouco verossímil. Entretanto, vejam que disse que parece. Na verdade a narradora dá essa impressão propositalmente: "Você voltou seus olhos negros para os meus e sorriu através deles, erguendo-se de sua poltrona vermelho-fogo, e subindo as escadarias de mármore claro [...]" (pg. 104). Vemos que há uma narradora que o tempo todo se volta para um "você", o que traz a impressão interessate de narração em segunda pessoa em boa parte do conto. Elucidar mais esse fato sem entregar o fim se torna difícil.
Em minha opinião, o melhor conto da leva "O terceiro reinado" da Georgette Sillen, tse encaixa facilmente ao que o Todorov diria ser o fantástico puro, ou seja, aquele conto que te perturba através de um evento insólito, adverso e sem resolução ao final da narrativa. As portas para a perplexidade e para a especulação se abrem nesta história ambientada no Rio de Janeiro oitocentista  e embasada em elementos políticos, que abrem mais interpretações ao conto. O final é como manda o figurino da literatura fantástica, sem dúvida prova da competência da autora. 


Nem todo vapor esquenta

Nem tudo são flores, alguns contos me passaram má  impressão, especialmente por serem excessivamente carregados. O que quero dizer com isso? Que alguns contos, tais como "A arma", da Lívia Pereira, "As irmãs taylor" da Verônica Freitas e "Escrito no tempo", da Lyra Collodel, para citar alguns, apresentam excessos tanto no conteúdo quanto na forma. No enredo isso faz com que o leitor se perca facilmente (no mau sentido) por causa da trama embolada. Isso talvez funcionaria numa narrativa mais longa, uma novela ou possível romance, onde se teria mais tempo/ espaço para destrinchar as coisas, mas se há uma coisa que o velho Poe disse e é verdade é que um conto pode até pecar pela falta, mas nunca pelo excesso. Na forma isso está bem claro, dada a quantidade de adjetivos parecidos/ repetidos que podiam ser facilmente cortados da narrativa. Talvez isso transpareça certa incipiência por parte destas autoras, fato que também não as põe como ruins, apenas não acertaram a mão desta vez. Convido o leitor a ver se tenho razão nesse sentido. 

Conclusão

Steampink trem seus defeitos, mas é indubitávelmente um bom livro, traz diferentes formas de ver um estilo que está começando a se propagar em terras tupiniquins, o que pode servir tanto de cartão de visita quanto a convite a novos escritores descobrirem seu gênero preferido. A produção do livro o faz bastante encantador, desde a sua capa. Alguns contos se apresentam como verdadeiros achados, o que trará imenso prazer ao leitor ávido por sangue novo. Fica então o convite a quem interessar, desbravem o mundo que a autoras de Steampink lhe apresentam.



6 pitacos:

Wander, vim aqui parabenizá-lo pela resenha crítica e honesta. Obrigada por dividir conosco a sua opinião, amigo.

Cada resenha nos dá mais força para fazer mais e melhor o nosso trabalho, dia a dia. E este retorno é super importante para o autor, você sabe =)

Grande beijo, amigo o/

This Gomez
Canto e Conto

Wander, agradeço imensamente pelo trabalho de resenhar completamente o SteamPink e pela sua transparência (coisa rara por aqui!).

Bjs de quem o estima cada vez mais:

Sua amiga,
Amanda Reznor

Obg, Amanda. Espero q seja a primeira resenha de muitas. ^_^

Agradecendo a resenha e deixando uma observação a respeito da revisão: Fizemos uma nova tiragem de exemplares, com uma terceira revisão,corrigindo os erros encontrados e relatados pelos amigos e até mesmo por nossa equipe, na primeira tiragem.

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