21/10/2011

Entrevistando Amanda Reznor



Quanto tempo não entrevistava alguém? Nem lembro, mas é sempre bom  retomar coisas que são interessantes. E seções interessantes requerem pessoas ilustres. Portanto, trago a vocês, leitores, a entrevista que fiz com a escritora e compositora paulistana Amanda Reznor. Com todo o The Downward Spiral rolando ao fundo (ao menos cá no meu cafofo), falamos sobre litfan, questões éticas, música e tudo mais que você confere a partir de agora. Enjoy!

Wander Shirukaya- por que Amanda Reznor?
Amanda Reznor - porque sou uma grande fã  de Trent Reznor, cantor da banda Nine Inch Nails!

Wander - Trent é famoso pela forma polêmica de se expressar. Você acredita que isso também se reflete na sua arte?
Amanda - acredito que sim, principalmente porque quando me "tornei" Amanda Reznor eu estava na fase "rebelde" da minha adolescência: 17 anos. Foi quando a minha produção musical teve sua maior expressividade, também. Além disso, por causa de bullying sofrido nas diferentes escolas em que estudei, eu acabei nutrindo algum desagrado pelo meu próprio sobrenome.

Wander - você pode citar um exemplo dessa influência em seu estilo?
Amanda - sim. Eu não sou muito afeiçoada às regras. Aprecio e dou ouvidos às boas sugestões que me fizerem, porém gosto de sair do convencional, sempre gostei. Assim, eu costumo usar muito neologismo em meus escritos, não tenho medo de descrever cenas eróticas ou violentas (embora eu prefira dar um sentido a essas descrições, não curto apelo gratuito). Mas acho que a minha irreverência está principalmente nas minhas músicas. Tenho uma, por exemplo, que se chama "Imago Dei" (Deus que se...). É a minha letra mais polêmica, uma vez que eu critico não a Deus ou às religiões, mas sim às pessoas que estão por trás e em meio a isso.

Wander - você também tem afeição pela literatura infanto-juvenil, a qual vemos que questões como sexo ou violência são mais "delicadas". Em tempos de escrita "politicamente correta", como você lida com esse impasse?
Amanda - eu não me importo em agir de forma comportada quando preciso. Também sei respeitar as pessoas e cada momento. Em meu livro solo, Vale dos Segredos, com previsão de lançamento para 2012, há uma trama mais sutil, e a violência ficou sugerida pela imagem da morte e do desespero, alguns parágrafos mais pungentes, porém não está aflorada; e o sexo é praticamente inexistente - só coloquei umas beijocas em uma banheira [risos]. Já em se tratando de um escrito estritamente infantil, tenho um conto chamado "Do Jacaré Guloso Que Queria Comer" e "Do Primo do Jacaré, Que Mordeu o Próprio Pé". Eu diria que é beeem inconvencional, mas não chega a ser impróprio [risos].

Wander - o "filtro" a que a literatura infantil pasa em nosso país é interessante de se debater. Contos para crianças do uruguaio Horacio Quiroga são muitas vezes censurados ou despertam pouco interesse das editoras brasileiras exatamente pelas cenas de violência, enquanto em seu país de origem ou alguns circunvizinhos não há problema algum. Você acredita que a nossa percepção da relação entre violência e criança é muito rigorosa?
Amanda - eu acho que essa questão é um tanto hipócrita, Wander. Afinal, para começar, a leitura é pouco incentivada entre os pequenos, na minha opinião (eu não vejo crianças lendo, a impressão que tenho é que este desejo pela leitura começa a surgir - quando surge! - na puberdade, a não ser que haja não só incentivo, como também exemplo dos pais). E se as crianças não lêem, o que fazem no tempo livre? Assistem à televisão, é claro! E uma minoria tem o luxo da TV paga, então vai canal aberto, mesmo. Fora a Cultura (não querendo fazer propaganda, mas já fazendo) e a Rede Escola, vejo poucos canais com uma programação mais dedicada ao público infantil. Minha filha de três anos, por exemplo, adora o Pica-Pau. Eu tenho mais de 100 DVD's infantis em casa e sabe um dos quais ela mais gosta? Uma animação não muito conhecida por aí, chamada Coraline, baseada em uma história do Neil Gaiman. O Gaiman, como você deve conhecer, não é lá muito bonzinho com os seus temas, porém quando escreve para crianças ele sabe abordar o sombrio, a dor e a morte de formas muito interessantes, até atrativas.

Wander - Pica-pau me parece um bom exemplo de "politicamente incorreto" para crianças.
Amanda - Pica-pau, politicamente correto? Mas ele engana todo mundo e se dá bem no final [risos]!

Wander - correto.
Amanda - ah, sim! Falha minha [risos]!

Wander - acho que ele nasceu no Brasil.
Amanda - é, poderia ser brasileiro mesmo! É a cara do... Bem, deixa pra lá [risos]. É, eu não gosto do Pica-pau, mas não sei por que a minha filha - e acredito que muitas outras crianças - o adoram tanto. Eu lembrei agora de um caso na minha família. Minha tia comprava alguns livros de contos de fada para minha prima (não adiantou muito, hoje em dia a bichinha só quer saber de ficar largada na frente da TV - e depois dos 18 eu acho que tem pouco conserto! [risos]) e havia um deles, em especial, do qual eu gostava muito e pedia para que ela lesse para nós duas, antes de dormir. Um dia eu fui visitá-las e não encontrei mais esse livro. Quando perguntei onde ele estava, minha tia disse que o deu para uma instituição, pois no livro havia personagens que morriam e ela achava aquilo impróprio para a minha prima (na época com 5 anos). Eu acho muito exagero, a morte deve sim ser exposta à criança, ela deve ter contato com a realidade, apesar de numa forma mais branda que o adulto, mas ela deve aprender a lidar com estas questões, é muito importante a criança perceber que a vida real tem seu lado bom, mas também um lado mau, muito mau, e que está presente no nosso cotidiano.

Wander - qual sua relação com a literatura fantástica?
Amanda -  Wander, sendo fiel à minha "irreverência", eu não gosto de me sujeitar a um limite criativo quando estou escrevendo, e por isso um dos gêneros com que mais me identifico é com a literatura fantástica. Eu quase sempre escrevo literatura fantástica, embora meu livro principal (que eu considero Vale dos Segredos, meu filhote favorito [risos]) é suspense com um toque policial, mas não deixa de ter seu conteúdo fantástico (que será bem mais explorado no  2 º volume, já que a personagem do 1º é cética e desacredita tudo o que ocorre ao seu redor).

Wander - como pesquisador do gênero, tenho percebido que há muita divergência entre críticos e autores sobre a sua definição. Para você, o que é o fantástico?
Amanda - em síntese, para mim, fantástico é tudo o que contraria a realidade ou os padrões aceitos pela fisica; pode ter seus subgêneros dependendo da temática, como o paranormal, criaturas sobrenaturais, etc, mas é um dos gêneros mais livres de todos, pois permite a criação em toda a sua abrangência.

Wander - atualmente o gênero anda em alta. A que você atribuiria essa situação?
Amanda - justamente pela facilidade de criação dentro do fantástico, que é ilimitada. Já um texto Sci-Fi, por exemplo, demanda pesquisa e muito mais suor por parte do escritor, caso queira integrar algo dentro do gênero, porque é um universo restrito, tudo precisa ser repensado para estar dentro de um padrão aceitável, deve-se criar dentro das possibilidades; agora a literatura fantástica, apesar de ser mais fácil de se escrever, pode ser de má ou boa qualidade, e eu acredito que uma estória amparada pela história terá sua qualidade elevada, sempre. Escrever por escrever é muito fácil, e qualquer coisa pode ser considerada literatura fantástica, mas nem por isso o texto apresentará qualidade - aliás, justamente por este leque imenso de possibilidades é que se destacar no fantástico é mais difícil - "vencerá" quem for mais criativo e, é claro, souber unir com uma boa dose dessa criatividade o fantástico à realidade.

Wander - pergunta de praxe: o que você anda lendo e ouvindo?
Amanda - estou batendo o recorde [risos]. De segunda para cá eu li Cira e o Velho, do Walter Tierno (indicadíssimo), Dois Minutos de Gasolina para a Meia-Noite (do Ricardo Carlaccio, muito bom!), Ventos Poéticos, organizado pelo Cristiano Rosa, e estou quase terminando o livro Capitão, do Sérgio Prado, que comecei a ler hoje. Quanto à música, esta semana ouvi Pink Floyd para bebês, com minha filha [risos], Foo Fighters e Rihanna - tá, eu também gosto de porcaria [risos].

Wander - fale um pouco dos seus projetos, o que podemos esperar para o futuro?
Amanda - eu fui convidada para duas antologias Sci-Fi (ainda não posso revelar os nomes), mas meu conto dependerá de aprovação. Se der certo, estarei nas duas ano que vem. Meu livro, Vale dos Segredos, também tem previsão de publicação para o ano que vem e eu estou escrevendo o segundo (embora com passos de tartaruga), chamado Alucinações do Escuso. Como trabalhos de maior cunho, estou organizando, ainda, uma antologia chamada Mil e Uma Mortes, que será uma recriação de As Mil e Uma Noites e contará com grandes autores que têm se destacado no círculo da literatura fantástica.

Wander - ia perguntar exatamente sobre esta adaptação de As mil e uma noites. Vi um vídeo de uma entrevista sua sobre o assunto. É um projeto interessante e, me parece, audacioso. Você pode discorrer um pouco sobre ele?
Amanda - claro, você já deve ter percebido como eu gosto de falar de mim (ou dos meus projetos [risos]). Então, este é um projeto realmente audacioso, e quero não apenas captar a essência da original produção d'As Mil e Uma Noites, com seus contos de fundo erótico, como também aumentar a aura sombria dessas estórias. Alguns autores já me apresentaram ideias muito interessantes, e nada fugirá do mundo árabe, porém a história de Sheerazade e Chariar estará invertida: por causa de uma vingança arquitetada por Sheerazade, Chariar agora está amaldiçoado, com o dever de narrar um conto por noite a um gênio traiçoeiro que, se não ficar contente com as histórias, devorará o reino inteiro antes que amanheça. Só que o gênio, enquanto ouve a narrativa, terá o direito de devorar uma vítima, oferecida a cada noite, e esta vítima deve ser mantida até o final da história para saciar o gênio - do contrário, todos pagarão.
Daí a origem do nome: Mil e Uma Mortes.

Wander - a literatura contemporânea, não necessariamente a fantástica, vai bem? Discorra um pouco sobre sua percepção dela. 
Amanda - nesta pergunta você se refere ao que estou lendo ou escrevendo?

Wander - lendo. Ou ouvindo de criticos, outros autores...
Amanda - eu tenho dado preferência aos livros que adquiri recentemente em eventos, e a maioria deles é de literatura fantástica; admito que me afastei um pouco do resto, porém o que vejo que está tendo um ótimo amparo da crítica é o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, do Leandro Narloch, que já li e achei muito bom - bem escrito, interessante e bastante sólido, com apresentação de documentações e da extensa fonte de pesquisa do autor. Como sempre, fugindo do convencional [risos]. Fora isso, tenho notícia de colegas autores que estão obtendo ótimas colocações em concursos, como o amigo Jádson Neves, que obteve 1 º lugar no Ignácio Loyola Brandão, e o Edweine Loureiro que, mesmo estando lá no Japão, vive entre nós através dos concursos literários, presentando-nos com bons contos. Sinceramente, eu não saberia falar muito de escritores contemporâneos que não estejam próximos de meu círculo. Sei dos antigos e dos internacionais, mas fora isso eu realmente não saberia opinar. Até vejo este como um ponto meu que precisa de atualização - sou meio distante de rádios, jornais e televisão, fico desligada do mundo.


Wander - e a música?
Amanda - eu não posso dizer que sou eclética e posso até ser linchada por dizer isso, mas odeio samba, pagode, axé, sertanejo e afins. Funk eu curto o ritmo, mas detesto as letras nacionais. Sou amante do rock, principalmente de Carpenters, Blackmore's Night, Nine Inch Nails e os clássicos em geral, gosto de MPB, mas das fases mais antigas de prodígios como Chico Buarque, Marisa Monte, Gilberto Gil (sim, ele teve sua fase boa), Boca Livre, Beto Guedes, Ney Matogrosso, Cazuza, Raul Seixas, enfim, posso citar vários, mas serão semelhantes na qualidade aqui apresentada [risos].


Wander - que conselho você recomendaria ao escritor iniciante?
Amanda - então, eu aconselho os iniciantes a começarem sua incursão na literatura através dos inúmeros concursos existentes, que leiam mais ou na mesma proporção com que escrevem e que escrevam um pouco todos os dias, acho que estes três passos são fundamentais para quem quer angariar boas publicações.

Wander - por fim, deixe uma mensagem aos leitores do blog.
Amanda - eu gostaria de agradecer aos leitores pela paciência de ler uma entrevista tão grande [risos], e também dizer que as duas peças fundamentais da literatura são o escritor e o leitor - a existência de um sempre dependerá da do outro, e é por isso que eu estou feliz de poder fazer parte deste inteiro, que só é completado por vocês. Então, por favor, nunca deixem de ler!

Wander - obrigado!
Amanda - ao seu dispor! xD

Fotos cedidas pela entrevistada.


10 pitacos:

Adorei ser entrevistada pelo Wander!

Agora aguardem que o próximo será ele! rsrs

Wander, agradeço mesmo pelo espaço, e desejo muito sucesso a você; precisando de algo, é só gritar ^^

Bjs,
Amanda

Gostei muito da entrevista, Amanda,sempre bom saber mais de vc queridona, além da sua forma sempre irreverente de falar nos fazer ficar mais pertinho de vc, mesmo longe!

Parabéns também ao Wander pela idéia primorosa q me rendeu bons minutos de leitura e descontração!

Bjãoo

Dois pontos que a Amanda tocou que são importantes e mostram sua maturidade como escritora: a definição de fantasia e a dica para ler mais do que escrever.
E é isso aí. Não-eclética assumida. Conhecer, apreciar um aspecto aqui, outro ali é uma coisa. Mas quem gosta de tudo não gosta de nada.

Obrigada pela presença de vocês! Espero estar sempre presente, mesmo à distância =]

Olá, to vendo carinhas novas aqui pelo blog. Sejam bem-vindos, este espaço é todo nosso. E sim, vale a pena ver o q Amanda tm a dizer. Vamo q vamo. ^_^

Entrevista maravilhosa, fazendo justica ao talento e sensibilidade de Amanda: uma excelente escritora e uma amiga espetacular. Parabens, Amanda. Sucesso, sempre, que voce merece. Do amigo no Japao,Edweine.

Adorei a entrevista. Conhecia pouco a Amanda e já gostava dela. Agora, então, muito mais!

Puxa, Edweine e Regina, vocês não sabem como as suas palavras me deixaram feliz! Obrigada pelo carinho e acompanhamento constante!

Bjs,
Mandinha

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More