Bem, pessoal. Postagem nova para discutir algo já bem conhecido. Sim, os ânimos têm se mostrado bastante sensíveis nos últimos tempos, sendo cada vez mais comuns formas de censura. Discutamo-nas agora, em especial, no campo das artes.
Recentemente meu amigo, o escritor Roberto Denser, passou por um imbróglio devido a um conto que enviara para publicação. A recusa do texto veio acompanhada de justificativas que, no, mínimo, nos fazem pensar um pouquinho, tais como “por conter linguagem inapropriada e apologia ao uso de entorpecentes”, ou pelo conto não ser "familiar".
É bastante comum de minha parte encontrar em regulamentos de antologias, por exemplo, certas expressões que são bastante duvidosas e parecidas com as justificativas acima descritas. Ou seja, o antologista deixa claro que não aceitará textos que "firam a moral e os bons costumes" (seja lá o que isso for), ou que tematizem assuntos extremamente polêmicos.
Não raro ouço alguns dos prórpios antologistas/ editores serem também vítimas desse tipo de discurso. Um exemplo ocorrido no ano passado mostra que a Editora Estronho sofreu críticas ferrenhas por causa do título de uma antologia Steampunk escrita por mulheres (a saber, a coletânea se chama Steampink, já comentada aqui), sendo taxada de sexista e coisas do tipo.
E onde quero chegar tendo citado esse pessoal todo? Parece simples, mas não é.
Ora, toda preocupação existente no sentido de combater eventuais problemas éticos ou que firam a integridade de cada um é válida, fato inegável. Entretanto, há uma tendência nos últimos tempos de fazer com que essa preocupação se amplie a níveis exorbitantes, o que faz com que coisas com as quais não estejamos tão habituados soem como ameaça em potencial, sendo então evitadas ao máximo. Com a velocidade que estas opiniões são propagadas, as pessoas desinformadas tendem a incorporar o pensamento generalizador, o que acaba fazendo com que todos fiquem com medo de se expressar. Para arte, essa generalização traz problemas gravíssimos. Um deles já tem se refletido há um bom tempo: há um medo enorme por parte do artista de ousar (neste caso mais no aspecto temático). O escritor teme ser linchado na rua por construir um personagem machista, teme virar motivo de desprezo pelas redes por ter escrito um conto em que um personagem/ narrador se posicione nazista, teme que os amigos de igreja o excomunguem por ter criado um discurso defendendo o ateísmo em uma de suas narrativas. Os artistas passam a ser vistos mais como bruxos/ hereges do que como o que são; os acusadores, imbuídos do espírito do politicamente correto, mais se apresentam como inquisidores que pouco olham seus próprios problemas. Por outro lado, o comportamento dessas pessoas acaba se impondo e criando novas "normas para publicação". O resultado são textos, digamos assim, "inofensivos". É evidente que um bom texto necessariamente não precisa ser de algum modo ofensivo, mas impreterivelmente ele necessitará de tensão, bem como representar as tensões do universo em que se encontra; ignorar essas tensões só tende a criar textos pouco interessantes. A situação agradaria Platão, que pregava em sua República que poesia não é voz corrente e servia para "afeminar os soldados". Por outro lado, Aristóteles já nos mostrava que "o trágico é belo" e que a arte não é a realidade, tampouco imitação desta; apenas mera representação do que nela existe. Trocando em miúdos, um personagem racista não implica necessariamente um autor racista, nem tampouco cria leitores racistas; da mesma forma, personagens "de bem", não garantem que seu "autor/leitor" não seja um criminoso ou alguém de conduta duvidosa. A lição é simples, aprendida logo cedo, mas insistentemente ocultada num discurso que generaliza de forma covarde toda expressão artística. Não gosto de me citar, mas nesse caso é inevitável: trabalho com pesquisas sobre gênero, também com assistência social, mas isso nunca me impediu de criar um personagem misógino ou homofóbico. O bom senso passa cada vez mais longe nos últimos tempos, pois pensar cansa, e precisamos descansar frente a nossos programas de TV, pois nosso dia já foi muito cansativo. Fica então a pergunta: que faremos? Calemos diante de tudo e nos contetemos com uma arte cada vez mais água-com-açúcar?
Bom, o problema está exposto, rolam os dados. As ações, vejamos o que vocês me dizem. Abraço.