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13/02/2016

Considerações sobre racismo, linguagem e sociedade







A nossa maneira de lidar com com questões sociais importantes têm sido bastante afetada com a popularização das redes sociais e graças ao seu caráter ironicamente tendencioso ao comportamento antissocial. Pretendo explicar melhor esse ponto em postagens futuras, mas para nos situarmos aqui, a ideia de que falo é que a nossa superexposição às redes sociais acaba fazendo com que nossa visão de mundo seja deturpada, ampliando sensações de estresse e até mesmo de paranoia.
Nos últimos tempos temos vistos vários casos que requerem bastante cautela na análise a fim de evitar equívocos e prejulgamentos. Como vimos, artistas negros promoveram um boicote ao Oscar pela falta de indicação de artistas de sua etnia. Outro caso mais recente, já aqui no nosso pais, causou polêmica: um pai e uma mãe vestiram uma fantasia de Abu em seu filhinho negro para o carnaval, recebendo uma enxurrada de comentários maldosos e até ameaças. O que a repercussão desses eventos nos ensina? O de sempre: a preocupação em construir séquito ainda mais importante do que, de fato, estudar maneiras de minimizar o preconceito. Portanto, vamos aqui tentar aprofundar um pouco essas questões. Por praticidade, focaremos mais a questão do racismo, mas o que é dito aqui pode ser muito bem aplicado em outras formas de discriminação: machismo, homofobia; escolha a que achar melhor, apenas atento às devidas especificidades de cada um.


1 AD HOMINEM NUNCA MAIS

Não adianta: enquanto nos apegarmos aos autores do que aos seus argumentos, perpetuamos os mesmo preconceitos contra os quais lutamos. Nesse artigo você encontrará algumas críticas a como temos lutado contra o racismo. Se lhes dissesse que o autor dele é branco, provavelmente seria rechaçado com mais facilidade; talvez nem lido, compartilhado apenas com um #nojo #fascista ou coisa do tipo.Mas não é o caso. Quem vos fala é um negro. E isso, para nossa discussão, não deveria ser relevante. Sendo assim, vamos nos ater sempre às ideias e esqueçamos posturas que diminuam a consistência das nossas reflexões.


2 SAUSSURE, BENVENISTE E PRECONCEITO

Para entender como funciona o racismo (ou qualquer forma de discriminação, como já propomos), é necessário entender como funciona o discurso, a linguagem. O discurso é dinâmico, sofre influência de todos os elementos a seu redor, e, por este motivo, não tem como ser estudado estaticamente. Isso seria o mesmo do que descontextualizar por completo uma situação e julgá-la sem observar a complexidade que ela possui. Ferdinand Saussure, conhecido "pai da linguística", mostrou que o signo linguístico (ou palavra, se preferir) é formada de significante (a imagem acústica, ou seja, o conjunto de sons e letras que nos remetem a determinado conceito) e significado (o conceito, a ideia por trás do significante). Para exemplificar, a palavra cadeira tem nessa sequência gráfica e sonora seu significante, mas seu significado é a ideia que nos vem à mente quando nos deparamos com ele. Como dá para prever, a quantidade de significados pode ser maior (cadeira pode ser um assento ou uma nádega avantajada, ou uma disciplina da nossa faculdade) O que tiramos de lição aqui? Que graças ao uso criativo que fazemos da nossa linguagem, um signo linguístico pode ter inúmeros significados.
Sendo assim, o que definiria expressões como "a coisa tá preta" (foto2)? Simples: seu contexto. Em outras palavras dizer que a coisa "tá preta não" é racismo, mas pode ser usada em algum contexto específico para discriminar alguém - aí sim caracterizando o preconceito.
Entender por que as palavras per se não são ofensivas requer entender todos os mecanismos de composição de um contexto. Recomendo uma olhada aprofundada nos conceitos de enunciação e enunciado, propostos por Emíle Benveniste. Como falamos aqui de forma mais lacônica, um aprofundamento pode ser muito útil e encontrado aqui.


Um enunciado pode ser uma frase, uma cena, uma imagem, uma situação, qualquer coisa que transmita uma mensagem. Entretanto, todo enunciado só pode ser compreendido perfeitamente ao observarmos o processo de enunciação, ou seja, seu contexto. Lembra da Viviany Beleboni (foto 3)? Por que sua performance foi acusada de "cristofóbica"? Por que seus acusadores a julgaram desprezando todo e qualquer contextualização, como se só a "afronta a cruz" importasse quando na verdade a atriz transexual dialoga com o símbolo da cruz para sugerir que pessoas marginalizadas, como ela e Cristo, sofrem/ sofreram pelo julgamento de quem detém o poder.
E você? se sente ofendido por causa de um buraco negro ter esse nome? Deveria pensar duas vezes, pois você também está desprezando o contexto. Buraco Negro (e energia escura também) são termos da Física a não ser que alguém desvirtue seu significado criando um outro contexto, eles não são símbolos de racismo. Vale lembrar que a palavra negro não se refere exclusivamente à etnia.
Ou seja, para caracterizar uma situação ou enunciado como discriminador, é imperativo não desprezar tudo que compõe a enunciação: quem é o sujeito da enunciação? Onde ele estava? Quando? Com quem? Em que circunstâncias? Como dá para reparar, o assunto é complexo, e são várias as apurações, tal como um delegado ferrenho ou jornalista competente e sem preguiça, que temos de fazer. E como dá pra prever, ninguém que passar tirar a bunda da cadeira ou gastar mais que um like para averiguar o enunciado por completo. Por causa disso, é fácil perceber como as pessoas perdem mais tempo julgando umas às outras em linchamentos virtuais (ou até presenciais), em vez de dar ao assunto a devida seriedade que ele exige.


3 SE AS PALAVRAS ISOLADAS NÃO TEM SIGNIFICADO, ENTÃO NÃO EXISTE RACISMO?

Claro que existe. O ponto não é este. Nos comportamos como crianças no caça-palavras à procura do racismo, mas esquecemos das coisas de que falamos aqui. Um enunciado isolado não têm significado. Comentá-lo sem noção de toda a enunciação é mais problemático, pois deturpa seu primeiro significado, trazendo  um novo à discussão. Por exemplo, quando nos deparamos com uma fotografia em um jornal, ela já traz um significado. A partir do momento que compartilho a foto acompanhada de um comentário, eu estou alterando seu significado, estou criando um novo contexto. Talvez por isso a foto da criança fantasiada de Abu (não coloco a foto aqui para preservar a imagem da criança) tenha parecido ofensiva a algumas pessoas. Entretanto, ao que me parece, o contexto não representava uma situação de opressão, visto que os pais não a fantasiaram na intenção de lhe causar vexame, humilhação pública. Pelo contexto, todos parecem se divertir, é um ambiente lúdico. Talvez os pais possam ter sido um pouco imprudentes, já que estavam em local público e poderiam ser mal interpretados (e acredito que foram mesmo), mas isso está longe de caracterizar aquele contexto como racista e de depreciação da figura da criança. Sendo assim, reforçamos a ideia de que, caso não tenhamos noção de todo o contexto de uma cena ou mensagem, se torna impossível concebê-lo como discriminatório. Dois negros que se conhecem e são amigos, por exemplo, podem fazer piadas que, ouvidas em outra circunstância, poderiam ser facilmente tidas como ofensivas. Entretanto, isso não acontece, pois o discurso é consensual, tal como quando "rimos da nossa desgraça", ironizamos e satirizamos o contexto, e no fundo não concordamos com ele. As mesmas piadas proferidas por um branco que não conhece o negro já se mostraria ofensiva, pois não há relação consensual entre ambos, tal como quando nos ofende ser alvo de piadas de qualquer pessoa com quem não tenhamos intimidade. O mesmo vale para piadas homofóbicas, machistas, etc. O consenso entre os participantes daquele contexto elimina a discriminação. Sendo assim, a piada (ou qualquer forma de expressão), funciona como uma faca: pode ser usada em nosso benefício para preparar alimentos ou para ferir o meu semelhante. Todavia, se alguém comete um crime, por que insistimos em tentar punir a faca?

4 POR QUE RESISTIMOS TANTO EM ADMITIR QUANDO SOMOS RACISTAS?

Porque racismo é crime, e ninguém quer ser preso. Poderíamos parar nessa afirmação, mas vamos dar mais pano para a manga. Como dissemos, a palavra é dinâmica e, por isso, pode ter mais de um significado. E quando pensamos em racismo, geralmente o que nos vem à mente primeiro é a abordagem jurídica da coisa, ou seja, estamos falando do crime de racismo. Olhando por esse prisma, admitir um comportamento racista seria confessar e requerer a própria reclusão. Isso explica porque tantas pessoas vivem se escondendo em chavões para não parecerem más (e para não aprovarem uma possível lei de criminalização da homofobia, por exemplo), tais como "afff, vocês vêem racismo em tudo", "o mundo anda muito chato" "calma, foi só uma piada". Porém, a palavra não tem apenas o significado jurídico, mas também social, sociológico. Por esse lado, o racismo não é necessariamente crime, embora possa ser usado como motivação tal. Por exemplo, uma pessoa que acha que negros são todos vagabundos está sendo racista, mas não necessariamente criminosa. Por outro lado ela pode usar esse ponto de vista para querer "justificar" uma atitude criminosa de fato, tal como impedir uma pessoa de ir e vir (expulsá-la de um shopping, por exemplo) por sua diferença étnica. 


5 ANALISAR COM CALMA E DISCERNIMENTO SEMPRE

Como vemos, o assunto é complexo e graças ao dinamismo da linguagem, necessita de que observemos cuidadosamente caso a caso, evitando a deturpação de contextos. Parece difícil e cansativo, não é? Mas quem disse quer seria fácil lutar contra a discriminação?
Oportunamente, podemos discutir novos tópicos sobre o tema. Até lá!




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