27/02/2017

Entrevistando Enoo Miranda


 
Começando nova temporada de entrevistas aqui no blog, conversei um pouquinho com Enoo Miranda. Poeta e professor na cidade de Nazaré da Mata - PE, Enoo é figurinha carimbada em intervenções poéticas e manifestações culturais da região. Falamos um pouco sobre o fazer poético em tempos de crise. Confiram.



Wander Shirukaya - A produção artística atual, a meu ver, ainda parece perdida frente ao período turbulento que nosso país tem vivido. Diante disso, muitos autores ainda preferem se abster de comentar o assunto. Diferente deles, você tem dado sua cara a tapa, se manifestado com veemência tanto em eventos, saraus e intervenções artísticas como no discurso encontrado na sua poesia. Você teme que isso possa ter algum impacto negativo? Você acha importante o posicionamento do autor frente a problemas como os da atualidade?

Enoo Miranda - Sobre temer um impacto negativo a resposta é não, e em relação à pergunta se há importância no posicionamento (político? espiritual?), sem sombra de dúvida, sim. O escritor, assim como o cineasta, o caixa de banco, o cobrador de ônibus, o artesão, o pintor - de telas ou de muros, vide João Doria e o Galo da Madrugada do carnaval 2017 -, mas principalmente o escritor, deve ser um agente político, já que literatura que se lê, atualmente, entretém em segundo plano. Você vê, a euforia desta semana entre o pessoal "do meio" literário foi o discurso inflamado do Raduan Nassar contra o atual governo federal, durante recebimento do Prêmio Camões. Maravilha, vindo de um quase ermitão midiático que escreveu pra caralho, isso parece bom. Já hoje pela manhã o Cláudio Willer postou em conta no Facebook um relato sobre o mesmo Raduan Nassar e sua abstenção quanto aos abusos do regime militar de 64, afirmando que o então premiado chegou até mesmo a sustentar a ideia de que não houve censura de livros durante o período ditatorial. Ou seja, cedo ou tarde, tudo é cobrado.

Wander -  Você também participou de eventos nas ocupações da UPE de Nazaré da Mata no fim do ano passado. Como foi essa experiência?

Enoo - Divertida e marcante. É muito bom poder fazer algo pelo lugar de onde você veio ou pelo qual se sente pertencido. Aquele foi o campus em que me graduei em Letras, na cidade onde faço questão de viver. Na ocasião das ocupações em protesto à PEC 55, eu mesmo fiz críticas negativas à forma como as ações durante a paralisação estava sendo tocada pelos alunos, mas creio que a nossa passagem por lá somou em termos de discussão política e de quebra ainda serviu pra instigar alguns poetas de gaveta.

Wander - Conheço o seu Papel de pegar mosca, coletânea de haicais. Por que a preferência por formas curtas? Pretende fazer uso de outras estruturas poéticas mais para o futuro?

Enoo - Creio que o uso de uma forma curta no Papel de pegar mosca tenha a ver diretamente com o que eu descubro como meu processo de criação. Na maioria das vezes um texto me surge a partir de uma única sentença, ou de um único som, ou de uma única imagem... então o que orbita em torno dessa ideia primeira pode acabar se estendendo mais ou menos, a depender do que se queira falar e da circunstância em que se queira utilizar o texto. Em recital, por exemplo, o haicai não funciona tão bem. Fica aquela sensação retornando do público de "já acabou?". Na maioria dos casos opto realmente por estruturas mais estendidas e deve ser assim por algum tanto.

Wander - Participaste também do Recita Mata Norte, projeto que se circulou as escolas da Mata Norte Pernambucana no final de 2016. Fale um pouco do projeto e de que forma ele contribui para a formação de leitores.

Enoo - Sou professor por formação e acredito veementemente que a leitura pode desempenhar um papel importantíssimo na vida das pessoas. Por outro lado, sou cético quanto à eficácia do sistema público educacional enquanto resultado do que parece ser, cada vez mais, a tentativa de tornar as escolas plataformas de políticas eleitorais. Mais precisamente no estado de Pernambuco, onde o programa de ensino integral - do qual sou funcionário contratado - é a menina dos olhos do governo do PSB, muito se fala em educação cidadã. Formar o aluno em sua totalidade. Mas não forma. Meus alunos têm aula sobre Romance de 30 mas não sabem quem é Glauber Rocha. Nunca leram Charles Bukowski. Querem tirar título de eleitor e votar em Jair Bolsonaro. Não escutaram nem o disco de Nal Caboclo, que é artista da terra. Ou seja, algo falha nessa proposta de integralização. O Recita Mata Norte, de certa maneira, sana um pouco desse déficit curricular da educação, pois aproxima o escritor de um público em potencial. A troca de informação a respeito da confecção dos livros no caso das publicações independentes, estas que afinal são maioria entre os integrantes do grupo que participou do projeto, o espanto velado quando algum texto falado traz um palavrão e a consequente dessacralização do poeta, todas essas coisas acabaram cativando os estudantes que estavam atentos às nossas apresentações e acho que a experiência pode gerar frutos mais adiante.

Wander - Falando em formação de leitores, alguns colegas se queixam de que o público tem diminuído e, muitas vezes, se mostram “vencidos”. Você concorda que haja diminuição do público leitor e, se sim, como o autor pode contribuir para reverter esse processo?

Enoo - Não sei dizer com certeza se há diminuição de público leitor como vem sendo lamentado há algum tempo. Talvez tenha diminuído o número de público enquanto pessoa que compra o objeto livro, mas talvez até aumentado o número de leitor. E aí já é um problema de ordem mercadológica, não literária. O que eu imagino é que o tipo de leitor tenha mudado. Agora ele se considera um vencedor por ter conseguido chegar à última linha do que nas redes sociais se convencionou chamar de "textão". Proust se contorce, mas funciona. Nesse sentido, o escritor que quer que seu livro chegue até alguém, já deve ter entendido mais ou menos o caminho: faz barraquinha de venda, troca uma ideia e chama pra uma cerveja. O artista marxista é necessário.

Wander - Pernambuco é apontado como o estado com o maior número de cartoneras do país e possui uma quantidade expressiva de produção independente. Como esse contexto tem contribuído para a sua carreira e de outros autores da região?


Enoo - O "miolo de pote" em arte produzida no país hoje em dia é a distribuição. No caso da literatura, quem escreve não consegue, necessariamente, fazer circular tanto quanto gostaria. Já fui publicado em selos de tiragens pequenas e também em formato cartonero, mas, claro, sinto um retorno mais rápido pelo texto em si quando posto diretamente na internet. Talvez essa prática tenha se tornado, para além da vaidade, uma forma de "termômetro" que antecede o lançamento do produto em formato físico.

Wander - Quais os projetos para 2017?

Enoo - Tenho originais inscritos em concursos que publicam premiados, recentemente participei de uma antologia poética chamada "O Olhar da Língua Portuguesa no Mundo", inicialmente lançada em Portugal e que agora deve aparecer por estas terras através da parceria com a Casa do Poeta de São Paulo, tem também a ideia ainda em fase de desenvolvimento de um livro de poemas que lança olhar sobre a região metropolitana do Recife e que explora a relação intersemiótica entre poesia e fotografia, além de investidas na área de audiovisual através do edital público do fundo de cultura do estado.

Wander - Deixe uma mensagem aos leitores do blog.

Enoo - Não façam nada que eu não faria.

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