A penumbra das nove horas, sala
encoberta, obscurecida, onde cintilava apenas uma tentativa de luz vinda
de duas velas, já aos desmanches, borbotões de parafina em cima da
mesa. As cortinas sopravam um vento chocho que mal se fazia vento,
esquentava mais do que aliviava o verão-crepúsculo. A mesa posta para
dois, pratos vazios aguardando, algumas travessas aconchegando alimentos
finos; a toalha, uma renda belga, chamava bastante atenção, o branco em
choque com o escuro do mogno do móvel e com a treva da espera. Há uns
cravos, pequenos cravos arranjados num também pequeno vaso, a sombra
deles tremulando enorme na penumbra. O vinho. Tinto. Suave. Um Tawny
aberto, duas taças, uma sobre a mesa, cheia, porém intacta; a outra
debatendo-se no entremeio lábio-dente, deixando pingar algumas gotas
finas, lilases, sobre as pernas.
Tudo foi muito rápido,
encontros, viagens, abusos, músicas, Jeff Buckley no último volume.
Alianças, véu e grinalda. Dinheiro, estabilidade, famílias de posses,
conseqüentemente, empregos promissores. Beleza. E com B maiúsculo.
Mas, depois, tédio.
Os bolsos da calça e do terno
revirados, ligações estranhas em horários inoportunos. Ócio, hipóteses e
conjeturas. Relação tensa, discussão, discussão, discussão. Entre tanto
fervor, uma gota d’água.
Então, telefonemas. Vazio. Mensagem de
reconciliação, no ensejo de que ele chegue para o jantar. Sete. Oito.
Nove. Nada. Sete, oito, nove vinhos, coração espremido nas mãos,
sangrando um lilás turvo. Os olhos bem abertos, vista fechada. A porta.
Será ele? Abraço, beijo, soco, faca? Vinho. A garrafa. Atirada ao ar,
chocando-se contra a porta fechada. Perplexidade, confusão, lágrimas
lilases, borbotões de parafina escorrendo. Tato à penumbra. A procura, a
espera. Onde?
Onde?
(…)
O barulho de um desabar no chão, gritos
desesperados. Os joelhos avermelhados, a boca entre mordidas,
penitências, gole seco no vinho, pernas trêmulas, fazendo uma sombra
pouca na penumbra. Uma penumbra decaída, decadente, da vida poetizada em
reveses que só provam que para o amor ainda não estou pronta.
*adaptação da canção “Lilac Wine”, de Jeff Buckley, para apresentação em reunião do Clube do Conto de 19/11/2011. Tema: “Vinho”. Publicado pela primeira vez no Blog do CAIXA BAIXA.
Foto: http://luxuryunplugged.com/wp-content/blogs.dir/77/files/2008/04/istock_000004889034xsmall.jpg
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