Cá estou eu para a entrevista da semana com o escritor pernambucano Camillo
José. Sem mais delongas, vamos ao papo que rolou pelo chat do facebook na noite
de 12/03. Enjoy!
Wander Shirukaya - Vamos fazer uma breve apresentação de
você aos leitores do blog. Quem é Camillo José?
Camillo José - Olá! Certo, então: Camillo José é, putz,
calma [risos]. Bom, Camillo José é um dos organizadores do selo editorial La
Bodeguita, autor de alguns livros de poemas, sendo os mais recentes Apneia-resort, Xinforimpola, [about: blank]
e Os próximos 30min não tem propaganda
graças ao seguinte patrocinador (todos pela Bodeguita) e o mais antigo Chave de espadas, publicado pela Editora Patuá em 2013; mas pra mim mesmo
Camillo José é uma pessoa aleatória que passa a maior parte do tempo jogando
arcade e ouvindo math rock [risos].
Wander - Math rock? Massa! Tô ouvindo aqui Crystal Fairy,
projeto novo do Omar Rodriguez-López. É bonzinho, mas ainda sou viúva do Mars
Volta [risos]. Pelo que conheço de você, a música é muito presente na tua
literatura, não? Isso sem falar na estética vaporwave, que vai mais além [da
música].
Camillo - [risos] Pior que eu também, fiquei animado com a
volta do At the drive-in e gosto pra caralho da carreira solo do Omar, mas com
o Mars Volta rola um apego mais íntimo.
Wander - Pois é. Como música e a cultura
vaporwave se relacionam com sua literatura?
Camillo -
Diria que [a música] é mais presente que a própria literatura, no sentido de que
minhas referências quase sempre vêm da música, seja no uso de epígrafes, nas
referências dentro dos textos ou no fato de quase não conseguir escrever em
silêncio. Inclusive há um poema no meu próximo livro que faz referência a uma
música do Mars Volta (Inertiatic esp), numa divisão da obra que
coincidentemente se chama The haunted
jukebox [risos]. Gosto de pensar o arranjamento dos poemas no livro como
uma espécie de mixtape, sabe? Às vezes até chego a criar playlists no youtube
pra anexar aos livros. A estética vaporwave, como tu disse, aparece também em
relação à música, mais ainda mais nas questões de apropriação e ressignificação,
embora eu escute bastante playlists do gênero durante a produção dos livros.
Wander - Que massa, meu livro novo terá
influência de Mars Volta também. Mas a entrevista não é sobre mim, melhor
retomar [risos].
Camillo – [risos] Eu vi num trecho do
teu [livro] que tu cita Alcest, é uma banda que gosto muito também, me fez
abrir um sorrisão quando li.
Wander - Quais as suas bandas preferidas,
maiores influências, etc.?
Camillo - Pelo lado mais pessoal, minha maior
influência é sem dúvida o John Frusciante, tanto pelos sons atmosféricos que
ele consegue alcançar com a carreira solo quanto pela época que esteve com os Chili
Peppers – o que às vezes é um pouco complicado, porque meu estilo de tocar
guitarra acaba soando muito semelhante ao dele. Mas sobre a relação música e
literatura, minhas principais influências são artistas que, apesar de não
estarem diretamente ligados ao vaporwave, fazem uso constante de referenciações
e ressignificações em suas composições, desde os insights nas letras dos Alt-j
até os samples inusitados do Kanye West. Mas é algo que vai variando, como disse,
ultimamente tenho ouvido muito math rock e isso tem me influenciado de uma
forma diferente e sou muito inquieto, daí vivo procurando banda nova pra ouvir
e sempre me perco no meio de tanta coisa boa. No vaporwave minhas maiores
referências são a Vektroid (responsável pelo Macintosh Plus, creio que o
projeto mais popular do gênero) e o Trevor Something; a Vektroid por ser
basicamente uma espécie de porta de entrada pra quase todo mundo que vem a se
interessar por essa estética, o Trevor Something pela questão do anonimato: o
cara já tá nessa coisa toda há anos e até hoje ninguém sabe quem ele é, gosto
dessa coisa toda, desse desapego que os artistas vaporwave geralmente têm
diante do fator popularidade, é algo que tento levar pras minhas experiências com
música e literatura.
Wander – E na literatura? Algum poeta ou
ficcionista que lhe tenha virado a cabeça?
Camillo - Com a literatura o meu primeiro
grande plot twist foi com Roberto Piva, porque eu sempre fui uma pessoa muito
imagética, mas jamais havia tido contato com uma literatura que explorasse a
imagem da forma como ele faz, foi um baque imediato e irreversível, não dava
pra ler Piva e continuar escrevendo da mesma forma, me deixou completamente
desgraçado da cabeça. Depois de um ou dois anos totalmente imerso na escrita do
Piva, eu conheci o Delmo Montenegro e aí o desgraçamento ficou completo [risos],
porque a poesia de Delmo consegue trazer uma imagética tão carregada quanto a
do Piva, com o adicional das referências undergrounds audiovisuais que eu já
flertava, mas com um receio bobo de estar "avacalhando" demais; daí
quando eu li Delmo e vi ele fazendo tudo aquilo bateu uma sensação
reconfortante de pertencimento e eu finalmente pude tocar o foda-se e escrever
da forma que achava melhor [risos] daí isso tudo coincidiu com as imersões
iniciais no vaporwave e foi o nariz que faltava no Frankenstein.
Wander - Ganhaste o Prêmio PE. Qual
foi a sensação? Já tem sentido algum efeito dele?
Camillo - Então, foi algo bem inusitado, e
a ficha só tá caindo agora, porque o lançamento do livro já é mês que vem
[risos]. O livro que inscrevi no prêmio era a coisa mais experimental que eu
havia feito até ali e minha preocupação maior sinceramente nem era o prêmio em
si, mas ter uma chance de publicá-lo, porque tinha quase certeza de que, se não
fosse com o prêmio, seria muito raro uma outra editora topar lançar algo tão
estranho como A dakimakura flutuante
e não dava pra publicar com a Bodeguita porque por enquanto editamos apenas
livros de curta extensão, daí era meio que um tudo ou nada, então minha maior
sensação foi de alívio por não ter que me frustrar tentando convencer outras
editoras a publicá-lo [risos]. Sobre os efeitos, ocorre um delay comigo que
desde 2013 quando alguém vem falar do meu primeiro livro eu fico totalmente sem
reação, aquele clichê de ver um filho andando e não conseguir acreditar que
aquele filho é teu. Quando perguntam sobre o Dakimakura eu tento falar mais sobre o livro em si do que sobre o
fato de ter ganhado o prêmio, embora tenha consciência de toda a carga dessas
circunstâncias.
Wander - Pernambuco é apontado como o estado com o maior
número de cartoneras do país e possui uma quantidade expressiva de produção
independente, inclusive você é também editor. Como esse contexto tem contribuído
para a sua carreira e de outros autores da região?
Camillo - creio que essa coisa da busca por
independência editorial é um movimento que reflete não só a escassez e falta de
acessibilidade das editoras "oficiais" ativas por aqui, mas também -
e talvez principalmente - o ritmo como tudo vem acontecendo dentro desses
grupos, o que pode resultar em colheitas frutíferas, mas também causar certos
alagamentos com a mesma proporção. Digo, mais da metade da literatura que tenho
lido nos últimos anos vem de produções à margem do mercado editorial, produções
consistentes e à frente do "centro" em muitos quesitos. Entretanto,
não dá pra negar que grande parte das problemáticas que permeiam as questões de
"massividade" acabam intensificados pela lógica do "faça você
mesmo" - no sentido de que às vezes a distorção da coisa toda resulta num
bocado de autores recheados de convicções, alheios a críticas e munidos de um
ideal egoísta de independência, o que também explica haver mais autores que
leitores: o cara escreve uns poemas, publica um zine/livro por conta própria,
vai pra sarau, se auto-promove; mas não faz a mínima ideia do que tá sendo
produzido ao redor - ou pior, só lê/compra outras publicações se houver uma mão
dupla invisível guiando toda a diplomacia dessas situações. Daí às vezes essa
coisa de usar a independência como argumento pra validar qualquer coisa que se
escreve acaba sendo um tiro pela culatra, mas não dá pra negar que há uma
galera muito foda emergindo disso tudo.
Wander - Para terminar, deixe uma mensagem
aos leitores do blog e obrigado pela entrevista. Gostei muito do papo!
Camillo - Eu agradeço pelo convite, foi uma
conversa muito agradável e espero que eventualmente possa se estender para fora
da internet. Minha mensagem é: bebam bastante água e acreditem no coração das
cartas, o resto é literatura.
Foto: Jan Ribeiro.
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