13/03/2017

Entrevistando Camillo José



Cá estou eu para a entrevista da semana com o escritor pernambucano Camillo José. Sem mais delongas, vamos ao papo que rolou pelo chat do facebook na noite de 12/03. Enjoy!



Wander Shirukaya - Vamos fazer uma breve apresentação de você aos leitores do blog. Quem é Camillo José?

Camillo José - Olá! Certo, então: Camillo José é, putz, calma [risos]. Bom, Camillo José é um dos organizadores do selo editorial La Bodeguita, autor de alguns livros de poemas, sendo os mais recentes Apneia-resort, Xinforimpola, [about: blank] e Os próximos 30min não tem propaganda graças ao seguinte patrocinador (todos pela Bodeguita) e o mais antigo Chave de espadas, publicado pela Editora Patuá em 2013; mas pra mim mesmo Camillo José é uma pessoa aleatória que passa a maior parte do tempo jogando arcade e ouvindo math rock [risos].



Wander - Math rock? Massa! Tô ouvindo aqui Crystal Fairy, projeto novo do Omar Rodriguez-López. É bonzinho, mas ainda sou viúva do Mars Volta [risos]. Pelo que conheço de você, a música é muito presente na tua literatura, não? Isso sem falar na estética vaporwave, que vai mais além [da música]. 

Camillo - [risos] Pior que eu também, fiquei animado com a volta do At the drive-in e gosto pra caralho da carreira solo do Omar, mas com o Mars Volta rola um apego mais íntimo.



Wander - Pois é. Como música e a cultura vaporwave se relacionam com sua literatura?

Camillo -  Diria que [a música] é mais presente que a própria literatura, no sentido de que minhas referências quase sempre vêm da música, seja no uso de epígrafes, nas referências dentro dos textos ou no fato de quase não conseguir escrever em silêncio. Inclusive há um poema no meu próximo livro que faz referência a uma música do Mars Volta (Inertiatic esp), numa divisão da obra que coincidentemente se chama The haunted jukebox [risos]. Gosto de pensar o arranjamento dos poemas no livro como uma espécie de mixtape, sabe? Às vezes até chego a criar playlists no youtube pra anexar aos livros. A estética vaporwave, como tu disse, aparece também em relação à música, mais ainda mais nas questões de apropriação e ressignificação, embora eu escute bastante playlists do gênero durante a produção dos livros.



Wander - Que massa, meu livro novo terá influência de Mars Volta também. Mas a entrevista não é sobre mim, melhor retomar [risos].

Camillo – [risos] Eu vi num trecho do teu [livro] que tu cita Alcest, é uma banda que gosto muito também, me fez abrir um sorrisão quando li.


Wander - Quais as suas bandas preferidas, maiores influências, etc.?

Camillo - Pelo lado mais pessoal, minha maior influência é sem dúvida o John Frusciante, tanto pelos sons atmosféricos que ele consegue alcançar com a carreira solo quanto pela época que esteve com os Chili Peppers – o que às vezes é um pouco complicado, porque meu estilo de tocar guitarra acaba soando muito semelhante ao dele. Mas sobre a relação música e literatura, minhas principais influências são artistas que, apesar de não estarem diretamente ligados ao vaporwave, fazem uso constante de referenciações e ressignificações em suas composições, desde os insights nas letras dos Alt-j até os samples inusitados do Kanye West. Mas é algo que vai variando, como disse, ultimamente tenho ouvido muito math rock e isso tem me influenciado de uma forma diferente e sou muito inquieto, daí vivo procurando banda nova pra ouvir e sempre me perco no meio de tanta coisa boa. No vaporwave minhas maiores referências são a Vektroid (responsável pelo Macintosh Plus, creio que o projeto mais popular do gênero) e o Trevor Something; a Vektroid por ser basicamente uma espécie de porta de entrada pra quase todo mundo que vem a se interessar por essa estética, o Trevor Something pela questão do anonimato: o cara já tá nessa coisa toda há anos e até hoje ninguém sabe quem ele é, gosto dessa coisa toda, desse desapego que os artistas vaporwave geralmente têm diante do fator popularidade, é algo que tento levar pras minhas experiências com música e literatura.



Wander – E na literatura? Algum poeta ou ficcionista que lhe tenha virado a cabeça?



Camillo - Com a literatura o meu primeiro grande plot twist foi com Roberto Piva, porque eu sempre fui uma pessoa muito imagética, mas jamais havia tido contato com uma literatura que explorasse a imagem da forma como ele faz, foi um baque imediato e irreversível, não dava pra ler Piva e continuar escrevendo da mesma forma, me deixou completamente desgraçado da cabeça. Depois de um ou dois anos totalmente imerso na escrita do Piva, eu conheci o Delmo Montenegro e aí o desgraçamento ficou completo [risos], porque a poesia de Delmo consegue trazer uma imagética tão carregada quanto a do Piva, com o adicional das referências undergrounds audiovisuais que eu já flertava, mas com um receio bobo de estar "avacalhando" demais; daí quando eu li Delmo e vi ele fazendo tudo aquilo bateu uma sensação reconfortante de pertencimento e eu finalmente pude tocar o foda-se e escrever da forma que achava melhor [risos] daí isso tudo coincidiu com as imersões iniciais no vaporwave e foi o nariz que faltava no Frankenstein.



Wander - Ganhaste o Prêmio PE. Qual foi a sensação? Já tem sentido algum efeito dele?

Camillo - Então, foi algo bem inusitado, e a ficha só tá caindo agora, porque o lançamento do livro já é mês que vem [risos]. O livro que inscrevi no prêmio era a coisa mais experimental que eu havia feito até ali e minha preocupação maior sinceramente nem era o prêmio em si, mas ter uma chance de publicá-lo, porque tinha quase certeza de que, se não fosse com o prêmio, seria muito raro uma outra editora topar lançar algo tão estranho como A dakimakura flutuante e não dava pra publicar com a Bodeguita porque por enquanto editamos apenas livros de curta extensão, daí era meio que um tudo ou nada, então minha maior sensação foi de alívio por não ter que me frustrar tentando convencer outras editoras a publicá-lo [risos]. Sobre os efeitos, ocorre um delay comigo que desde 2013 quando alguém vem falar do meu primeiro livro eu fico totalmente sem reação, aquele clichê de ver um filho andando e não conseguir acreditar que aquele filho é teu. Quando perguntam sobre o Dakimakura eu tento falar mais sobre o livro em si do que sobre o fato de ter ganhado o prêmio, embora tenha consciência de toda a carga dessas circunstâncias.


Wander - Pernambuco é apontado como o estado com o maior número de cartoneras do país e possui uma quantidade expressiva de produção independente, inclusive você é também editor. Como esse contexto tem contribuído para a sua carreira e de outros autores da região?

Camillo - creio que essa coisa da busca por independência editorial é um movimento que reflete não só a escassez e falta de acessibilidade das editoras "oficiais" ativas por aqui, mas também - e talvez principalmente - o ritmo como tudo vem acontecendo dentro desses grupos, o que pode resultar em colheitas frutíferas, mas também causar certos alagamentos com a mesma proporção. Digo, mais da metade da literatura que tenho lido nos últimos anos vem de produções à margem do mercado editorial, produções consistentes e à frente do "centro" em muitos quesitos. Entretanto, não dá pra negar que grande parte das problemáticas que permeiam as questões de "massividade" acabam intensificados pela lógica do "faça você mesmo" - no sentido de que às vezes a distorção da coisa toda resulta num bocado de autores recheados de convicções, alheios a críticas e munidos de um ideal egoísta de independência, o que também explica haver mais autores que leitores: o cara escreve uns poemas, publica um zine/livro por conta própria, vai pra sarau, se auto-promove; mas não faz a mínima ideia do que tá sendo produzido ao redor - ou pior, só lê/compra outras publicações se houver uma mão dupla invisível guiando toda a diplomacia dessas situações. Daí às vezes essa coisa de usar a independência como argumento pra validar qualquer coisa que se escreve acaba sendo um tiro pela culatra, mas não dá pra negar que há uma galera muito foda emergindo disso tudo.


Wander - Para terminar, deixe uma mensagem aos leitores do blog e obrigado pela entrevista. Gostei muito do papo!

Camillo - Eu agradeço pelo convite, foi uma conversa muito agradável e espero que eventualmente possa se estender para fora da internet. Minha mensagem é: bebam bastante água e acreditem no coração das cartas, o resto é literatura.

Foto: Jan Ribeiro.


 
 

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