Que bonitinha, não é? Os comentários escorriam da sala para o quarto, enquanto os longos cabelos eram presos com um laço discreto ao extremo. Em cada minúcia se sentiria a perfeição no preparo, tal como aquelas atrizes que estão prestes a entrar para a cerimônia de premiação. A saia, pronta para cumprir o dever, apertou a cintura, olhou para o espelho, do reflexo via a franja esconder-se às orelhas, o brilho dos lábios diminuindo, o dos olhos tentando aumentar. A luz foi apagada, deixou a menina correr para brilhar.
A família sentava confortavelmente, a tia batia discreta na mão do filho que arranhava o assento. Jacarandá-da-bahia, lindo, dava dó de sentar. O ambiente era bastante descontraído, muito agradável, uma cama acolhedora de sensações. Cecília, mãe dedicada, esforçava-se ao máximo para não escancarar a satisfação. No centro da sala, o piano. Antigo, mas como todo vintage que se preze, inesquecível a qualquer olho que o debruce. Eis que todos vêem a menina dos olhos chegando absorta, contemplando todo espírito do local. Na sala a cara de tia da tias, o pirralho tentando riscar o móvel, a mãe no tino de sempre, aguardando o sublime espetáculo. Vê que linda é minha filha? Precisa ver como toca, um anjo só! Linda mesmo a sua filha. Mãe, posso ir no banheiro? Que menino chato! Espera terminar a apresentação da sua prima! Faltou organizar a iluminação, mas os presentes não ousavam se queixar. Era só um detalhe perto da luz que logo encheria a saleta. Glória a Deus, todo poderoso, por me dar a dádiva de ter filha tão... Tão...
Dava pra sentir no último fio de cabelo a tranqüilidade com que a garota alongava os dedos, fitando as teclas do piano. Estas, por sua vez, choravam, criavam infindáveis marolas com as lágrimas. Marolas de um pesar que alegrava. Que canção linda! A tia só seguia as palavras de Cecília, que bem sabia quão bela era a tragédia. Dó menor. E a frieza que a música exigia exalava da garota. Uma frieza compassada, respirada em cada intervalo, causando calafrios na platéia, quase nenhum erro.
Quase.
No meio de um trecho tão complexo era de se perdoar que uma nota saísse lugar, ainda mais sem a partitura para a ajuda. A mãe parece ter sido a única a notar, fez meio que um aplauso forçado para disfarçar. Bravo, minha filha! Excelente! A tia aplaudiu em seguida, enquanto o menino fugiu sem ser notado, em busca da felicidade. Os olhos de Cecília, nadando entre marolas sutis como as teclas, orgulhavam-se, enquanto os dedos da menininha concentrados despencavam sobre o piano.
Chega um trecho alegre, bem mais difícil, conduzindo as emoções dos ouvintes. A cara de tia agora era de fã incondicional. Bravo! Esta menina é maravilhosa! Não sabia de nada, mas o entusiasmo contido de Cecília merecia ser manifestado, nem se tivesse que ser por outra pessoa. E descem e sobem escalas com uma desenvoltura assombrosa, quase não se vê o rosto da pianista, debruçada sobre o piano para não perder a concentração, tão grande essa que fazia sorrir às teclas, ao menos às brancas. A mãe rezava baixinho em agradecimento e proteção, especialmente enquanto a canção entrava na parte mais difícil, onde tinha de imbuir-se de um ódio que fervilhasse para culminar nos taciturnos interlúdios do começo, encerrando sua representação. Torço por você, minha filha.
As teclas, felizes, cantarolavam veloz uma melodia que deixava a todos sem ação, criava uma catatonia, uma catarse interna, um infinito de apenas 13 segundos. Eis então o tropeço. Visível. Audível. Perdoável. Com desenvoltura, o mais rápido possível, a canção foi retomada, uma bela frase encerrou a obra de arte. A mãe aplaude, menos contida que anteriormente, com lágrimas nos olhos. A tia segue os passos, eufórica ajoelha seus aplausos em reverencia à apresentação, apesar do pequeno lapso. Tudo acaba bem, o pirralho volta para a sala e pergunta do lanche, dando os parabéns à prima. A menina via os olhos de todos. Felizes. Todos se dirigiam para a cozinha. Cecília aplaudia já comedida, olhava fixamente a filha. A mocinha agradecia com um sorriso, enquanto fitava os olhos da mãe; olhos de palmatória.
A família sentava confortavelmente, a tia batia discreta na mão do filho que arranhava o assento. Jacarandá-da-bahia, lindo, dava dó de sentar. O ambiente era bastante descontraído, muito agradável, uma cama acolhedora de sensações. Cecília, mãe dedicada, esforçava-se ao máximo para não escancarar a satisfação. No centro da sala, o piano. Antigo, mas como todo vintage que se preze, inesquecível a qualquer olho que o debruce. Eis que todos vêem a menina dos olhos chegando absorta, contemplando todo espírito do local. Na sala a cara de tia da tias, o pirralho tentando riscar o móvel, a mãe no tino de sempre, aguardando o sublime espetáculo. Vê que linda é minha filha? Precisa ver como toca, um anjo só! Linda mesmo a sua filha. Mãe, posso ir no banheiro? Que menino chato! Espera terminar a apresentação da sua prima! Faltou organizar a iluminação, mas os presentes não ousavam se queixar. Era só um detalhe perto da luz que logo encheria a saleta. Glória a Deus, todo poderoso, por me dar a dádiva de ter filha tão... Tão...
Dava pra sentir no último fio de cabelo a tranqüilidade com que a garota alongava os dedos, fitando as teclas do piano. Estas, por sua vez, choravam, criavam infindáveis marolas com as lágrimas. Marolas de um pesar que alegrava. Que canção linda! A tia só seguia as palavras de Cecília, que bem sabia quão bela era a tragédia. Dó menor. E a frieza que a música exigia exalava da garota. Uma frieza compassada, respirada em cada intervalo, causando calafrios na platéia, quase nenhum erro.
Quase.
No meio de um trecho tão complexo era de se perdoar que uma nota saísse lugar, ainda mais sem a partitura para a ajuda. A mãe parece ter sido a única a notar, fez meio que um aplauso forçado para disfarçar. Bravo, minha filha! Excelente! A tia aplaudiu em seguida, enquanto o menino fugiu sem ser notado, em busca da felicidade. Os olhos de Cecília, nadando entre marolas sutis como as teclas, orgulhavam-se, enquanto os dedos da menininha concentrados despencavam sobre o piano.
Chega um trecho alegre, bem mais difícil, conduzindo as emoções dos ouvintes. A cara de tia agora era de fã incondicional. Bravo! Esta menina é maravilhosa! Não sabia de nada, mas o entusiasmo contido de Cecília merecia ser manifestado, nem se tivesse que ser por outra pessoa. E descem e sobem escalas com uma desenvoltura assombrosa, quase não se vê o rosto da pianista, debruçada sobre o piano para não perder a concentração, tão grande essa que fazia sorrir às teclas, ao menos às brancas. A mãe rezava baixinho em agradecimento e proteção, especialmente enquanto a canção entrava na parte mais difícil, onde tinha de imbuir-se de um ódio que fervilhasse para culminar nos taciturnos interlúdios do começo, encerrando sua representação. Torço por você, minha filha.
As teclas, felizes, cantarolavam veloz uma melodia que deixava a todos sem ação, criava uma catatonia, uma catarse interna, um infinito de apenas 13 segundos. Eis então o tropeço. Visível. Audível. Perdoável. Com desenvoltura, o mais rápido possível, a canção foi retomada, uma bela frase encerrou a obra de arte. A mãe aplaude, menos contida que anteriormente, com lágrimas nos olhos. A tia segue os passos, eufórica ajoelha seus aplausos em reverencia à apresentação, apesar do pequeno lapso. Tudo acaba bem, o pirralho volta para a sala e pergunta do lanche, dando os parabéns à prima. A menina via os olhos de todos. Felizes. Todos se dirigiam para a cozinha. Cecília aplaudia já comedida, olhava fixamente a filha. A mocinha agradecia com um sorriso, enquanto fitava os olhos da mãe; olhos de palmatória.
[Wander Shirukaya]
* texto exposto no início de 2009 no Blog Silêncio Interrompido.
Foto: http://naturemorph.typepad.com/photos/uncategorized/2008/03/04/morning_piano_2.jpg
* texto exposto no início de 2009 no Blog Silêncio Interrompido.
Foto: http://naturemorph.typepad.com/photos/uncategorized/2008/03/04/morning_piano_2.jpg
25 pitacos:
Excelente layout
ótimo blog
Parabéns!
Esse final, com essa sinestesia "Olhos de palmatória", dá uma reviravolta em todo o enredo desse texto muito bem escrito.
parabéns
Pobre Esponja
Excelente texto!Você escreve muito bem!
Sucesso com o blog!
muito bom! parabéns..
gostei muito do blog *-----*
você escreve muito bem
http://blogdakarinadelima.blogspot.com/
Como tem gente talentosa nesse mundo meu Deus..
Parabéns!
A COMUNIDADE PRA TODOS QUE NAO DÃO CALOTES!
NELA SIM VC RECEBE SEU COMENTÁRIO:
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=93937074
Olá, nossa que delicia de leitura! Meus parabéns!
Gostei muito mesmo! intée
ADOREEEEEEEEEEEEEEI! *-*
vou visitar sempre aqui! =*
Que lindinha =) adorei
muito bom!
o final, principalmente, que muda todo o contexto do conto!
=)
.
abs
Auto ajuda pode até ser um porre,respeito sua opnião,mas cada um cada um néah! ;D
Postei as frases porque admiro o autor,mesmo sendo autor de auto ajuda! ;D
Vlws o comentário no blog!
Até mais!
Muito interessante o texto.
Acho o som do piano mágico. Na feira do estudante que eu fui um dia desses tinha um espaço reservado a música, lá tinha um pianista que tocou guns roses muito bem só com o piano. é realmente fantastico, adorei o seu post. ABS
por falar em teclas
parabéns por fazer bom uso das teclas do seu teclado
hehe
mt bom o texto
parabens
bjs da paulinha =*
Belíssimo... Me passa um clima melancolico, sinto-me como se estivesse lendo esse texto em uma cidadezinha pequena num dia frio e chuvoso. Não sei porque, é que a atmosfera me passa isso. Arrepiei=me com a delicadesa do texto, escreves muito bem, tornando fácil e rápida a leitura. Belíssima obra e maravilhoso seu blog!
Flaemmchen
Erzsébet, só tenho a agradecer. Volte sempre, meu caro.
Show cara!!
muito interessante,
se possivel
www.futebobeiras.com.br
De uma sensibilidade contagiante. To até ouvindo em minha mente o som do piano.
É sempre assim né, quando vejo uma criança tocando um instrumento difícil, eu fico na torcida e tenho medo que erre alguma coisa, a mesma coisa que Cecilia sentiu pela filha.
Amei o texto! E o blog...
Abraços e até mais... :D
Adooorei. Muito legal. !
http://anna-testemunhos.blogspot.com/
Bela capacidade descritiva! Soube trazer a quantidade certa de elementos para dar o ritmo adequado à leitura e conferindo a necessária riqueza de detalhes. Gostei muito.
O belo desfecho coroou a descrição.
Parabéns
PS: Só percebi o título numa segunda vista. Analogia poderosa e bem aplicada entre a beleza do ato, e o que está por trás dele. Imagino o esforço que tem dedicado à leitura e à escrita por trás desse texto.
muito legal velho parabéns =D
Deliciosa leitura, faz a gente se prender na curiosidade do que vem além...
Parabéns.
maravilhosa. parabéns MarijuH
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