O mafaldismo contemporâneo
Não me entendam mal.Esta série não está aqui para falar mal da queridíssima (sem ironia) Mafalda. Mas ela serve de mote para debatermos um poquinho mais sobre o riso e a comédia nas artes. Como já vimos comentando, rir era bom, mas com a dominação religiosa, rir tornou-se feio, demoníaco. É fato que após a Idade Média o mundo tem se aberto à diversidade de credos, mas o conservadorismo que se pregava parece não ter desaparecido. Ora, a questão aqui não é uma pregação política, não quero que você que acompanha essa série saia da direita para esquerda ou vice-versa. Apenas que repare como o maniqueismo e os extremismos parecem encobrir o bom senso quanto ao humor.
Rimos e, como já discutimos anteriormente, esse riso não será sempre "certinho". O problema parece ser a carga de culpa que o conservadorismo vigente ainda nos impõe, fazendo crer que, caso eu ria de uma piada que não siga os padrões da ética, vá para o inferno ou - como é mais comum nos dias de hoje - vá à júri popular. Aí é que surge o perfil da piada perfeita; e assim é que Mafalda vem sendo canonizada nas redes sociais como exemplo humor inteligente. Uma criança que fala como um adulto idealista é a figura perfeita para confortar o cidadão que sofre com o jornalismo policial, que pega dois trens mais um ônibus para trabalhar e volta morto de cansado pensando em relaxar com algo que não lhe ofenda mais. Particularmente gosto muito da Mafalda e concordo que devamos sempre descansar depois do sofrer do caos cotidiano, mas isso não deveria polarizar a visão que se tem do humor. Muitas piadas não seguem o nosso padrão masculoeterobrancoclassemédia e nem por isso podem ser vistas como ofensivas. Até porque, sendo a piada também uma expressão artística, ela pode muito bem fazer uso do humor negro (ou politicamente incorreto) tanto para satirizar como para denunciar a condição em que vive a vítima daquela piada. Assim, não raro, negros fazem piadas racistas, gays fazem piadas homofóbicas e assim por diante, sem que possam ser vistos como racistas, homofóbicos e assim por diante. Uma piada é uma figura, uma ferramenta, uma arma; como se faz uso dessa piada já são outros quinhentos. O riso é livre, não deve ser demonizado, deve estar sempre na cara do demônio, da Mafalda ou de quem mais aparecer neste mundo.
Continua...
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