Olá, amigos do Blog do Shirukaya! Como venho mostrando nos últimos tempos, a temporada de novas entrevistas está aberta. Depois da fofíssima Amanda Reznor e do escritor de nome não-suave Betomenezes, chegou a vez de conferirmos o que tem a dizer o grande (sim, grande mesmo, tem mais de 1,80m) escritor paraibano André Ricardo Aguiar. Assunto? Literatura, políticas públicas, música, poesia...
Wander Shirukaya – Fale um pouco
sobre você.
André Ricardo Aguiar - Todo dia
aprendo uma nova maneira de falar de mim através do que leio. É um pouco como
fuga, reconheço, porque não tem nada mais fugidio do que essa coisa do
biográfico abstrato, onde não consigo delimitar fatos, ocorridos, coisa que
seja digna de nota. Sei que minha vivência sempre foi norteada por leituras. E
ter nascido numa cidade do interior me trouxe uma carga de memória afetiva.
Digo, uma paisagem humana como cédula de identidade: o rio, o mato, os caminhos
de terra, pasto, boi, etc. Mas foi na cidade maior que me criei e, se posso
falar em urbano, que fique valendo. Me criei com bibliotecas mais do que com
contato familiar. A família grande também vira abstração. O círculo restrito é
que conta: pai, mãe, irmãos pequenos. Este os seres do meu afeto e dou crédito
ao meu pai pelo gosto literário. Divergimos muito depois. Me eduquei com Zé
Lins, frequentei Dostoievski e Kafka, Borges, Cortázar. Tenho esta coisa da
mistura de leituras. Meu enquadramento é por escotilha: vejo o que tenho a
frente, incorporo, sigo um rumo, abandono ou me perco – e depois dou a volta e
recomeço. Uma curiosidade cética pela vida, um composto de crença e provocação.
Só me sinto bem quando estou criando – e isso porque considero o ato de leitor
como participação, como cozimento de futuras colheitas. No mais, sou um cara
normal – conceito falho, vá lá, mas é por onde me sustento. Sou comunicativo a
pouca distância. De longe, pareço sisudo, mas é uma timidez de escudo. Puxar
uma prosa comigo é o movimento mais bem-vindo do mundo.
Wander – Você trabalha com literatura não somente como escritor, mas também
com projetos culturais através da Funjope. Como você lida com essa situação? É
difícil conciliar ambas as atividades? Que semelhanças e diferenças elas tem
entre si?
André - Lido como qualquer atividade
humana. A questão é que trabalhar com literatura na esfera pública é bem
diferente de trabalhar na esfera privada. Mas de certa forma, ambas são
complementares. Se tudo na vida fosse apenas lidar sem experiência humana,
cairíamos num fosso nada prático. Gosto mesmo da possibilidade de estar com
meus pares, ou criando modos de disseminar práticas culturais. Isto
proporciona, entre outras coisas, intercâmbios importantes, como a experiência
de outras feiras literárias e com a observação de modelos estruturais para
garantir o sucesso de eventos deste porte. Por outro lado, tudo é tempo.
Precisamos abrir sempre espaços só nossos para garantir que a balança fique
equilibrada. Eu tenho fases e nem sempre tenho tempo para me dedicar como quero
à literatura. No entanto, vejo com bons olhos a falta de tempo. Alguma coisa
trabalha na surdina. Sempre haverá o momento de colocar tudo no papel ou na
tela. As semelhanças ou diferenças se misturam. O trabalho com literatura só
ganha quando as fronteiras se encontram.
Wander – Os últimos tempos em nosso país mostram que a relação que temos com
questões éticas dentro da literatura. Tendo você também se voltado ao público
infanto-juvenil, como você tem percebido o uso de questões polêmicas, a
violência, o sexo, por exemplo, neste tipo de literatura?
André - Não acredito em censura prévia em literatura. Acredito
em controle e em
discriminação. Para o público infanto-juvenil, a própria
literatura ao longo da vida de um leitor deve indicar esclarecimento para
escolher o que é passível de ser absorvido de forma consciente. Não sei se
percebo bem, não consigo ler de tudo – e por extensão, saber o que andam
fazendo por aí. Sei que bons autores sabem lidar com temas polêmicos sem perder
a mão.
Wander – A que
projetos você tem se dedicado ultimamente? Que podemos esperar do autor para os
próximos meses?
André - Literatura infantil e poesia. Mas o engraçado é
que são trabalhos já feitos há algum tempo e que senti necessidade de dar um
ponto final. Fechamento de etapas, por assim dizer. Dois livros infantis estão
prontos para serem editados por uma boa editora. Ao mesmo tempo, penso e
publicar meus poemas de alguns anos pra cá. O livro A idade das chuvas já é um
trabalho de resgate de uma década de poesia. Ainda não tenho uma linha a
seguir, vou apenas vivendo e o ato da escrita vai junto, no compasso meio
improvisado. Agora, na hora de colocar no papel, organizo, sopeso, estabeleço
um plano. Sou meio cismado com a coisa solta. Estou como o Fernando Pessoa: O que em mim sente, está pensando. Tenho
meus contos – e a frequência no Clube do Conto serve como termômetro para o que
eu experimento, embora nem isso eu tenha mais tempo, experimentar. Quem sabe
daqui a um tempo eu veja isto mais claramente?
Wander – O que
te agrada na música? Quais os seus artistas preferidos? Eles te influenciam na
literatura de alguma forma?
André - O que me agrada na música é exatamente a noção
feliz de que não dá para viver sem ela. A coisa sensorial é muito forte. Que
arte pode ser mais completa que esta? Um dia destes alguém falou – ou li no
facebook – que os músicos só podem ser felizes. Eles criam em estado
permanente. Porque tudo é som. Não teorizo, claro, sobre a música. Sei que um
tipo de música me atrai pela construção, como o jazz. Outras, quero apenas ir
cantando junto. Como no chuveiro, lugar ideal (risos).
Artistas preferidos são muitos. Não me prendo a
poucos. A música eu vou descobrindo e adicionando à minha vida. Gosto deste
caráter de descoberta. Aí paro e fico umas fases em um artista, em outro. Mas gosto sempre
dos que me dizem por mais tempo, até uma vida inteira. Como não ser assim com
os compositores clássicos? Beethoven, Mozart, Bach, Vivaldi. Beatles, blues,
rock, Chico... são muitos e eu não vou dizer mais, ou a lista não termina. Não
vejo uma relação clara da influência da música na minha literatura. Mas um
estado de espírito propenso a gostar de música, tem elementos que vão ajudar na
hora da escrita. Assim penso.
Wander – Você está de blog
novo (http://quaseincendios. blogspot.com/), mas vez ou outra firma ter
problemas em manter páginas de internet. Há alguma razão em especial? Qual sua
relação com a internet?
André - Uso a internet para
quase tudo. Tenho uma relação quase tripla: criação – divulgação – intercâmbio.
Já fui beneficiado por ter acesso a editoras. Por criar livros nascidos de
blogs. Para dar visibilidade ao meu trabalho. Enfim, a razão por não manter
blogs é que vejo uma tendência a descontinuidade ainda. Não sou disciplinado em
alimentar regularmente um blog de forma indefinida. Invejo quem o faça. Talvez
com um projeto em equipe eu consiga. Mas o blog individual não me estimula
ainda.
Wander – O que tem lido
ultimamente? Algo que nos recomendaria em especial?
André - Tenho lido muita coisa.
Aliás, sou leitor voraz, daquele que corre o risco de perder o controle. Leio
de tudo e todo dia sinto vontade de ler mais. O problema é o tempo. Mas eu
tenho uma mochila-biblioteca que não sai de perto de mim. Posso ler em ocasiões
rápidas e tediosas como fila de banco ou no ônibus. Por isso curto tanto a
narrativa breve, os diários, etc. Li recentemente (e recomendo) os poemas da
Wislawa Szymborska, editado pela Companhia das Letras. É o que mais estou
recomendando por aí. Também o Diário Selvagem do José Carlos Oliveira,
indicação que o escritor Miguel Sanches me passou. Recomendo o novo livro do
Ricardo Piglia, um ficcionista que namora o gênero policial de uma maneira
inovadora. Chama-se Alvo Noturno. Gosto muito desses aspectos lúdicos da literatura,
dessa transfiguração de universos, mas também bebo dos temas clássicos. Tanto
que estou relendo Dom Quixote, pela Editora 34.
Wander – Discorra um pouco
sobre a literatura paraibana contemporânea, de que você faz parte. Tem gostado
do que vê? O que há de bom acontecendo?
André - A nova literatura
paraibana ainda está um corpo em movimento, e o estar inserido nela não me
torna um observador confiável. Vejo o que me cai às mãos, acompanho os novos
grupos, vejo aqui e ali talentos que vão se consolidar daqui a anos. Tenho
gostado em parte. Como
sabemos, ainda é cedo, há esse fenômeno dos talentos ainda em busca de um foco
– e é por isso que é tão saudável a formação de grupos. Não que acredite na
descoberta do ovo em pé. Mas
a meu ver, temos tanta sede de novidades que meio que nos viramos nas condições
mais precárias – embora, internet, o lance midiático, e tanta coisa aí dando
sopa está criando uma geração literária mais aparelhada. Até em termo de
brigas, há muito o que discutir. Melhor assim do que a modorra e o autoconfinamento.
Acho que muita coisa boa está acontecendo. Eventos, lançamentos, troca de
experiências. Faço parte do Clube do Conto, que é uma linha, sou amigo do
pessoal do Caixa Baixa e da Revista Blecaute, que é outra linha, e na qualidade
de gestor de uma divisão de literatura, tanto olho como crítico quanto
simpatizante. E claro, também, um olhar para os equívocos também.
Wander – Deixe uma mensagem
aos leitores deste blog.
André - A mensagem que eu deixo é que,
a exemplo do gosto que tive em responder às perguntas, sempre terei uma postura
de curioso. O importante é essa vontade de ler o mundo, mas de uma forma viva,
participante. Acho que qualquer manifestação é válida. Fico então feliz por
participar de uma forma ou de outra para algo nosso, e nem por isso menos
universal.
Wander - Obrigado.
Fotos cedidas pelo entrevistado.
2 pitacos:
André é a prova viva de que, para ser um bom escritor, não precisa ser bonito!
Wander Shirukaya revelando estrelas do meio literário! =D
Legal te conhecer, André!
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