"Ascensão e queda": romance de estreia!

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07/09/2017

Entrevista no Roberto Menezes + Resenha: Palavras que devoram lágrimas





Conversei via whatsapp com o amigo e escritor Roberto Menezes, que lança seu mais novo livro neste sábado, 09/09,2017, em João Pessoa. Além do bate-papo, no final apresento algumas considerações sobre o livro. Enjoy!


Wander Shirukaya - Palavras que devoram lágrimas é seu mais novo livro, mas já foi publicado anteriormente. Trata-se de uma espécie de remake? Se sim, por que em tão pouco tempo reescrever uma obra?


Roberto Menezes - Já começamos por um ponto que acho um importante falar: Palavras é um livro inédito. Quem quiser ter outra opinião, fique livre. Remake? Pode ser o que significa a palavra. Em um momento do livro maria diz:

(...) ela disse e continuou, não sei se foi com essas palavras, algo como, o texto que queremos, o texto ideal, pode ser dividido em três atos, o primeiro, o ato de desmontar o motor quando a gente torce pra que já aí o problema que levou o mecânico a desmontar ele dê indícios de ser encontrado; o segundo, o ato de encontrar o defeito em si e consertar; o terceiro ato, com o mal sanado, colocar delicadamente, num rito de trás pra frente, as peças no lugar pra fazer o motor rodar suave e sem nenhum defeito. Pronto. Me lembro da cara de margareth menezes dela: só assim o carro segue na rua, só assim o bloco sai na rua. (...)

Palavras já foi escrito quatro vezes. No meu primeiro encontro com maria. E nos três retornos com ela. O plot é o mesmo, nada muda. O que muda é a gordura no livro. A dissertação de Maria absorve novas influências internas e externas. E do meu ponto de vista, muda toda a intenção a cada publicação. Ao contrário da moça com cara de Margareth Menezes, nem eu, nem Maria, estamos interessados em montar um motor, a gente quer que o motor se exploda. Sobre reescrever em pouco tempo? Rapaz, eu tô com um monte de romance pela metade (lembra do romance Sarau?, tá pronto), mas Maria quer saber? Porra nenhuma, ela chega e me arrasta pra dentro dessa porra. E eu, nem pensar em ir contra ela.

WS - Interessante. Eu sou desse povo que diz que quem manda na obra são os personagens. Você impõe algum limite a eles? Como é essa relação autor-personagem?

RM - Cara, nesse caso o processo é diferente. O livro todo tem uma pegada metalinguística. Logo Maria vem como um alter ego. A gente sabe que todo personagem tem que ter certa profundidade e, nesse caso, preciso (me permito) somar, visão próprias de coisas que concordo e discordo do que Maria tem a dizer. É um jogo de afirmação e negação. Mas quero reforçar uma coisa, não é simplesmente um circunlóquio como o texto quer parecer. Ela própria tenta levar o leitor a isso:

“(...)A senhora com cara de margareth menezes do piauí abominaria, me mandaria pra casa diria, ‘para de enrolar com esse circunlóquio, pupila, por mais que a mariazinha tente, não vai conseguir esconder essa falta de verossimilhança que salta aos olhos’”.(...)
“(...) Aí se minha orientadora lesse essas palavras aqui, vixe maria, se ela visse a esquizofrenia e a hipocondria desse texto tão canastrão. Solipsismo autotélico de estudante de filosofia. Dona doutora, não procure lógica, a única lógica aqui é afiar nesse cara  aqui do meu lado as palavras como se elas estivessem indo ser (...)”

WS - A Maria me lembra muito a Laura de Julho é um bom mês pra morrer. Diria fácil que os dois livros parecem fazer parte de uma série. Isso foi intencional? Teremos chance de uma trilogia mais à frente?

RM - Sim, Maria e Laura são duas personagens chaves na minha história como escritor. Laura de Julho é uma versão da Laura de Pirilampos Cegos que eu não tinha conseguido tornar realizada enquanto personagem. Apesar de compartilharem algumas coisas estilísticas, a visão de mundo das duas é bem diferente. Laura é bem niilista e não encontra um pertencimento no mundo que vive, e Maria é um poço de arrogância e egocentrismo. Porque você sabe, cada ser humano tem um pouco dos dois. Ao mesmo tempo que se sente poeira das estrelas, também devaneia a possibilidade de a terra, os céus e os séculos círculos do inferno terem sidos arquitetados unicamente para si.
Na narrativa, elas se conhecem. Em Julho, tem vários capítulos em que Laura quase cede o protagonismo pra ela. Eu tenho um livro pronto,  que é do ponto de vista do marido de Maria, mas falar em trilogia não tem sentido.

WS - Por quê?

RM - Porque não se fecha, tanto que em 2022 vou lançar Julho é um bom Mês pra morrer II.
 
WS - O estilo das narrativas tende ainda a ser similar? Não teme que isso possa te rotular ou limitar de alguma forma?

RM - Parecem, mas não são. É igual a Metal, quem não conhece pensa que é a mesma coisa. Rapaz, rotular, quero nem saber. Limitar, eu mesmo tenho consciência das minhas limitações, mas vou cavando um poço ao redor delas.

WS - Palavras está para sair, você pretende lançar uma segunda parte de Julho; também você tornou público há alguns dias um livro em coautoria com Maria Valéria Rezende. Tenho vários amigos que consideram prejudicial uma leva de publicações muito grande e rápida, especialmente em termos de mercado. Você teme que o volume de publicações te prejudique de alguma forma?

RM - Eu sempre penso nisso, como a literatura pode me prejudicar? Mas penso no sentido pessoal. Tipo, minha obsessão por escrever me deixar relapso em outros aspectos da minha vida. A resposta é sim. E tento melhor quanto a isso.
Agora prejudicar do ponto de vista do que as outras pessoas vão achar dessa abundância de texto, absolutamente não (não sei se isso é pleonasmo vicioso ou só reforço). Eu não planejo nada em relação ao que escrevo. Escrever é como se estivesse em uma grande patuscada sem horas pra acabar. Uma suruba de ideias, de realizações que há pouco eu não tinha acesso ou capacidade, de frustrações de não dar o tom certo ao que imagino com um texto. Já dá pra perceber que essa imersão meio que me faz dar de ombros pra que os outros acham. Sei lá, eu pensava que isso ia passar, que ia ficar mais maduro, mas não. Aspectos que outros acham importantes, como prêmios, editais, etc e tal, tão cada vez irrelevantes pra mim. Só quero publicar, Patuá e Moinhos, enquanto existirem e me deixarem ficar, vou ficar. O site que me pedir texto, mando na hora. É claro que essa minha posição é algo confortável, que muitos não têm acesso à editora ou precisam de faturar do que escreve. Sobre isso, sou privilegiado mesmo. Sobre a falta de acesso, digo duas coisas: 1) já fui muito pior; 2) dica de ouro: demorei dezessete anos pra conseguir publicar um livro como eu queria que fosse publicado, e isso me fez um bem danado, sem pressa, cara, escreve nas sombras, faz tuas cagadas, monta uma lasanha de merdas diversas, experimenta, escreve e reescreve, simula todos os tipos de estilo, moça, copia aquele escritor na cara de pau, mas tenta tirar algo teu do plágio, vá por mim, se prepara, ganha experiência, cara de pau e fôlego pra se jogar de vez na orgia. Por fim, prejudicial é morrer de vontade, ainda mais na flor da idade.

WS -  Ainda sobre o livro com Maria Valéria, como se deu a parceria? Conta um pouco do processo, de como foi trabalhar com a autora.

RM - Ufa, acabamos o livro essa semana. Primeiro de outubro vamos abrir um Catarse. Então, o livro Conversas de Jardim, que vai ser publicado pela Editora Moinhos, não nasceu de maneira programada. Visito Valéria regularmente. Teve um tempo em 2014 que eu corria de onde eu moro, do lado do MAG [Shopping, em João Pessoa], até a casa dela, do lado do Shopping Sul. E pra descansar dessa corrida entre shoppings, batia na casa dela. Isso era quatro da tarde, mais ou menos. A gente conversava de tudo. Teve um dia que pedi pra gravar. Pronto. Horas e horas de conversa fiada (no tempo, bota aí pra ficar bem piegas). A gente só teve uma ideia de transformar o produto dessa conversa em do livro só agora no começo de 2017. A gente pensou, bora fazer uma brincadeira. Tipo, discordar do que a gente já tinha falado, reforçar, e naturalmente foi tomando uma estrutura de livro. A gente conseguiu por coisas legais como arcos narrativos em toda conversa, e algumas rimas narrativas também. Mas já vou avisando: quem for ler, não deve confiar no que a gente fala da nossa história, talvez seja invenção, talvez o tempo confundiu a gente na mão grande. Personagens. Simulacros. Até o que aconteceu de verdade, é pura ficção. Coficção. Escrito por quatro mãos confusas, tagarelas e hiperativas.
Penso que quem gosta de escrever vai gostar desse livro. A gente divide nossa visão de mundo. É claro que do lado de Valéria sou um zé ninguém. Mas por incrível que pareça a gente coincide em algumas coisas. A experiência dela em educação popular, a minha origem na periferia. E isso rebate sem sombras de dúvida na maneira como a gente escreve e sobre o que a gente quer escrever. Se você insistisse nessa pergunta, eu responderia: Conversa de Jardim é um livro que queria ter lido quando eu tinha dezessete, dezoito anos e era mais perdido do que cego em tiroteio.

WS - Tem alguma previsão do lançamento?
                     
RM - Se der tudo certo, novembro agora, finalzinho.             

WS - Vivemos um momento complicado no nosso país. Em tempos assim, muitos cobram que o autor escreva algo a respeito. Isso tem se refletido nas suas obras de alguma forma?

RM - Primeiramente, devo dizer que sou igual a palhaço: se me mandam sentar, sapateio. Logo, a palavra cobrar me irrita bastante. Agora, por outro lado, não tem como um escritor não absorver momentos e movimentos de sua atualidade (eita, tô falando feito intelectual, vixe maria), e isso vai ser inevitavelmente refletido no que ele escreve. No mínimo, palavras que não existiam até a virada do século vão ser postas naturalmente num conto qualquer.
No meu caso, acho que vai além disso, em Julho sutilmente faço uma metáfora sobre a queda da classe média nos anos FHC e Lula (só Alfredo Montepegou), além de falar de realidades sociais da geração que achava que um diploma universitário era o bastante pro sucesso pessoal e profissional. Em  Palavras, o enredo faz críticas explícitas ao modus operandi do meio político, já que Maria é ex-mulher de vereador da capital paraibana. E o mais engraçado é que, desde a primeira versão, ela (no caso, eu) vai perdendo a fé no meio onde ela viveu por muitos anos. De novo, o duplo, eu Maria, vamos trocando visões, perdendo esperanças.

Agora, se um escritor quiser escrever sobre borboletas de uma galáxia remota, se essas fábulas artrópodes não tiverem nenhuma segunda intenção, nenhuma mensagem escondida, nada pra agradar caçadores de porradas em luvas de pelicas, o que é que tem? Deixa a moça escrever, deixa o velho fazer o que mais lhe der paz ou aflição. Caralho, já basta o resto das coisas empurrarem a gente pra onde a gente não quer ir. Deixa cada tarado com sua tara.


WS - Pra encerrar, fale um pouco dos lançamentos já confirmados: Palavras vem a João Pessoa nesse fim de semana, mais alguma cidade à vista?

Vou fazer uma mini turnê (óia mesmo). Boqueirão, dia 21. Belo Horizonte, dia 26. São Paulo, dia 29. (tá parecendo Raça Negra, mas um dia eu lanço em Itapecerica da Serra). Até agora só. Mas tou topando tudo. Livro foi feito pra ser lido, se não ventar a porra, e divulgar, o bicho mofa em casa.

WS -  Grato pela entrevista!
RM - Valeu!

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ESBURACANDO AS PAREDES DO DESASSOSSEGO

Figurinha carimbada do cenário literário paraibano, o tibiriense Roberto Menezes lança este mês mais um romance de sua autoria, mas agora com certa responsabilidade: a de suceder o excelente Julho é um bom mês para morrer (Patuá, 2015).  Coube esta missão a Palavras que devoram lágrimas (Patuá, 2017). Curiosamente, o material não é de todo inédito, já que a obra já havia sido publicada duas vezes antes (o que justifica o Terceiro retorno do subtítulo da última edição), com diferenças flagrantes entre as versões apresentadas. Conforme se pode conferir na entrevista com autor no início dessa matéria, isso de forma alguma prejudicará a leitura.

Maria, a espiral do desespero

Palavras que devoram lágrimas nos apresenta Maria, esposa de um vereador que vê seu casamento em ruínas e, com isso, encontra na escrita seu desabafo. Uma das características propositadamente expostas da protagonista é seu comportamento irritante e hiperbólico, o que ficará evidente ao leitor nas excessivas repetições de expressões e imagens. A protagonista faz da insistência sua força. O leitor que resolver entrar na dança se deparará com uma mulher cheia de ressentimentos que, conforme a leitura avança, ficarão mais explicados. Entretanto, há de se afirmar que a composição da personagem talvez soe repetitiva a um leitor mais ávido por dinamismo da diegese, fazendo com que a protagonista seja uma faca de dois gumes frente as nossas expectativas.
Por outro lado, duas categorias literárias clássicas se sobressaem. Uma delas é, de longe, a mais vilipendiada na prosa de modo geral: o espaço. Tal categoria, aqui, tem papel importantíssimo no desenrolar da narrativa. Grande parte do desabafo de Maria fala do quarto onde vivia com o marido e de como as camadas de tinta das paredes servem de gatilho para a memória. A mulher lixa todas as paredes, evocando lembranças cada vez mais conturbadas, o que, de certa forma, remete à estranheza do clássico The yellow wallpaper de Charlotte Perkins Gilman – convém dizer que amarelo também é uma das principais cores que figuraram as paredes do local:

A cor que vi de perto, quando desencravei o vermelho dali, era amarelo-ovo, mas em sua homenagem, e em homenagem a sua vanessinha, vou chamar de amarelozinho.
É, e finalmente, depois de muita escavação, chego na cor da qual realmente eu quis pintar o quarto de me lamentar. O vermelho, na época, eu gostei, mas como hoje é o dia mundial de percepção do óbvio, não gostei nada. Era só o meu inconsciente leviano se submetendo à magreza dos teus lábios. O amarelozinho, sim, é a minha cor predileta desde menina. Cor do linho, meio-irmão do bege, primo pobre do amarelo-ouro. Também te confesso, esse amarelozinho é o mesmo das flores que você me deu presas a um buquê no dia em que tomei a decisão de tentar me apaixonar por você.


A composição desse cenário parece corroborar o já levantado por Gaston Bachelard sobre a figura da casa ser o espaço perfeito para o devaneio. Todavia, se o filósofo também ressalta a sensação de segurança que o lugar evoca, aqui ele parece despertar mais desespero, não deixando, é claro, de representar o devaneio, elemento que impulsiona a narrativa.
Outra categoria que merece atenção é o foco narrativo. Para compor todo o desvario da protagonista, Menezes acerta em cheio em usar um fluxo de consciência bastante radical. Tal recurso é tão expressivo que, em determinados momentos, o leitor se deparará com palavras completamente soltas, desconexas, que representam o estado irracional do desabafo. Porém, uma vez percebido tal ocorrência, seus olhos se acomodarão.

Um ponto onde Palavras parece derrapar é em seu desfecho. Se o tempo todo somos guiados pelo quarto e suas paredes, eas parecem ter ficado um pouco de lado nos momentos finais. Talvez isso frustre quem já havia se habituado a esburacar as paredes junto à Maria. Por se tratar de uma nova versão de um antigo texto, Talvez isso denote modificações profundas por que a obra passara, mas que não tenham sido tão bem aproveitadas.
O que podemos esperar de Palavras que devoram lágrimas, no fim das contas, é uma narrativa carregada, performática e, por este mesmo motivo, divertida a quem decidir ouvir as confissões de Maria. A obra mostra um autor que, em comparação com seus títulos anteriores, vem mostrado fôlego e, principalmente, definindo um estilo – algo almejado por grande parte dos escritores contemporâneos.   Talvez a incursão atual não seja tão especial quanto sua antecessora, mas isso está definitivamente longe de algo mau ou de que não se possa recomendar a leitura.

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SERVIÇO

O escritor Roberto Menezes lança o terceiro retorno do livro "Palavras que Devoram Lágrimas" no próximo dia 9, às 17h, no Cabaré Brasil, em João Pessoa. O livro, embora traga a mesma estrutura das duas publicações anteriores, é inédito.

A apresentação do livro será feita pelos escritores Joana Belarmino, João Matias e Maria Valéria Rezende. No evento, haverá um ponto de recebimento de livros para o Projeto Leitura Livre, da Moenda – Arte e Cultura, que organiza o lançamento.

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PALAVRAS QUE DEVORAM LÁGRIMAS (terceiro retorno) 

Autor: Roberto Menezes
ISBN: 978-85-8297-432-2
Número de páginas: 144
Editora Patuá.
Valor: R$ 38,00

Data: 9 de Setembro de 2017
Hora: 17 horas
Local:  Cabaré Brasil. 
Rua Coração de Jesus, 200 – Tambaú. João Pessoa. Paraíba

Organização: Moenda – Arte e Cultura

Sinopse:

Palavras que devoram lágrimas. Tela em branco. Reticências. Uma meia verdade. Um início. É o ponto de partida pra Maria apresentar sua condição após um traumatizante fim de um casamento de sete anos com um vereador da oposição. Ao longo das páginas, ela escava o grande deserto de suas experiências, arrancando as várias camadas de tinta das paredes do seu quarto onde viveu sua relação. A cada nova cor descoberta, a consciência de Maria vai se fragmentando. E, palavra a palavra, embreando nas profundezas do seu inferno azul-inferno.

O romance entrega um jogo onírico e metalinguístico. Um universo de imagem e fúria. Palavras arremessadas na tela com exagero e urgência. Lixa. Pau. Pedra. Pó. Uma sequidão só. Maria em seu terceiro retorno. Traduzido do árabe, “Palavras que devoram lágrimas” é a transcrição inexata dos gritos amanhecidos das xiitas do Curimataú que rodeiam os sonhos do autor.

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Roberto Menezes é paraibano. Nasceu em 1978. É professor da Universidade Federal da Paraíba. Faz parte do Clube do Conto da Paraíba. Tem romances publicados. Foi vencedor do Prêmio José Lins do Rego (2012). É um dos criadores da FLIPOBRE.


24/04/2017

Do que eu falo quando falo em fantástico - PT1




A literatura fantástica está comigo há muito tempo. Tornei-me, inclusive, pesquisador desse tipo de história e, como consequência, o fantástico vira e mexe aparece em minha prosa. Entretanto, costumo perceber que muitas pessoas ainda se perdem frente ao fantástico, talvez pela diversidade de manifestações apresentadas nas artes ou mesmo pela diversidade de percepções dos mais variados artistas frente ao tema. Com base nisso, uma vez pensando em lançar uma coletânea de contos do tipo, resolvi devanear um pouco sobre o que entendo sobre isso, tanto para meu próprio estudo como para a reflexão do leitor que também seja entusiasta do assunto.

São vários os autores que estudaram o fantástico. Dentre eles, costumo priorizar dois por causa de suas linhas de pensamento distintas. Tzvetan Todorov, talvez o teórico mais conhecido sobre o assunto, acreditava que o fantástico fosse um gênero em que os personagens se deparam com algo que desafia as leis do real, projetam seu desconforto (muitas vezes associado a medo) aos leitores e a narrativa termina sem que se possa adotar uma explicação para o fenômeno. Por outro lado, Irene Bessière parte da mesma ideia de inexplicabilidade frente a um evento que rompe as normas da realidade, porém o tratando mais como um recurso narrativo como outro qualquer e não necessariamente um gênero. Outros estudiosos têm se debruçado sobre o assunto, mas é fato que eles sempre se amparam a ambas as perspectivas apresentadas. Sendo assim, recomendo uma lida nos dois citados para quem desejar mais se aprofundar sobre o tema.
Algumas pessoas não têm interesse tão forte a ponto de estudar teoria, o que requer muito conhecimento prévio e dedicação. Talvez essas pessoas se deliciem com leituras um pouco menos densas, como o depoimento de autores sobre sua visão sobre o fantástico. Apesar de definições bastante imprecisas, podem servir de ponto de partida mais prazeroso. Vale uma lida o artigo curtinho de Julio Cortázar, “Do sentimento do fantástico”, em seu famoso Valise de cronópio. Metafórico como sempre, o autor comenta o fantástico a partir da história de um cachorrinho que olha fixamente algo numa parede. Algo que nós não sabemos o que é. Gosto da metáfora por apresentar bem  a base da narrativa fantástica: falar sobre o que não sabemos o que é. Assim, temos uma narrativa que se ampara em dilemas, paradoxos e mistérios. Mas espere um momento, pensará o leitor, se a base do fantástico é não compreender o que acontece, o grande dilema da literatura brasileira (se Bentinho é ou não corno)  poderia ser tratado como um evento fantástico? Na verdade não, pois ainda precisamos de um elemento que surja na narrativa que seja capaz de desafiar a realidade, ou como costuma dizer David Roas, que seja capaz de desafiar a nossa noção de realidade, já que em tempos de pós-modernidade se torna impossível concebê-la como uma só.  Agora o que parecia difícil se torna ainda mais, já que o leitor deve concluir que se o fantástico se move através da nossa percepção do real, talvez o que seja fantástico para mim não o seja para quem vive em outra região ou outra época. Falando num português mais prolixo, o fantástico depende de nossa percepção do real tanto de forma sincrônica quanto diacrônica. Vejamos um exemplo: no século XIX, era possível encontrar artigos científicos relatando a combustão espontânea, ou seja, casos em que pessoas beberam todas e acabaram por isso pegando fogo sozinhas. Com os avanços nas pesquisas, hoje sabemos que isso tudo não aconteceu e muitos casos que pipocam por aí são facilmente desmascarados. Ou seja, hoje tal evento seria um acontecimento fantástico para nós, mas não desafiaria a realidade de séculos atrás.  O leitor então pode concluir que o fantástico é um gênero/recurso interdependente não só de sua estrutura, mas também da nossa relação com ele e o contexto em que ele se encontra - tal como ocorre com o erotismo, acredito eu.
Tendo introduzido estas primeiras noções sobre o tema, continuo o que tiro da minha visão sobre esses tão variados estudos e narrativas.
Até lá.


PS: Sim, o título deste artigo é inspirado em Haruki Murakami. 
PS2: Referências serão colocadas no final da série de postagens. 

28/03/2017

Entrevistando Bruno Ribeiro





Wander Shirukaya - Você lançou recentemente Febre de enxofre (Penalux, 2016), sua estreia no romance. Sentiu muita dificuldade em comparação ao gênero conto abordado em Arranhando Paredes (Bartlebee, 2014), seu livro anterior?

Bruno Ribeiro - A dificuldade independe de gêneros. Eu prefiro escrever romances. No conto é possível visualizar regras mais rígidas, ordem, estruturas firmes. Obviamente que dentro dessa rigidez ainda é possível transgredir, veja Borges, mas no romance é viável andar com o bicho sem coleira com mais facilidade. Eu escrevi a Febre de Enxofre como um sonâmbulo. Por exemplo, alguns leitores sublinharam trechos do livro em suas resenhas e eu me perguntava depois de lê-las: “Eu realmente escrevi isso?”

Acredito que escrever um conto como um sonâmbulo seja mais complicado.

Tem certo automatismo surreal na Febre de Enxofre que permitiu com que ele fosse livre, caótico, cheio de registros e tons distintos, algo que me agradou no resultado final. Não sei se todo esse pandemônio seria possível em um conto, pois ele precisa ser adestrado com maior regularidade, já o romance não. A força do conto está no final, do romance está no todo. O percurso é mais importante do que a chegada.

Na Febre de Enxofre, parafraseando um trecho do romance, eu queria ser “um bicho que busca a luz no centro da escuridão”. E para encontrar essa luz – uma busca eterna, pois não a encontrei – se fez necessário travar uma jornada incerta, longa e conflituosa; o tipo de jornada que se encaixa mais em um romance do que em um conto. E quando estou escrevendo, prefiro os embates pesados, os campos de guerra mais virulentos e exaustivos, a linguagem que permita diversas experimentações, e por conta disso opto pelo romance.

Voltando à dificuldade, não acho que escrever romances seja mais fácil do que escrever contos, pois escrever é sempre um troço duríssimo e que modifica totalmente o sujeito, seja ele escritor de conto, romance ou qualquer outro gênero.

Wander - Febre de enxofre também aborda a autoficção. Há algum receio seu em ser mal interpretado ao trabalhar com as fronteiras entre o verídico e o fictício?

Bruno - Esse termo “mal interpretado” não entra no meu processo de escrita. Quando decido abordar algum tema ou escolher certo tipo de linguagem ou procedimento na construção de um livro, penso na serventia deles na trama e no que quero passar. A interpretação, boa ou ruim, é algo que foge da minha alçada e não me preocupo com isso.

Eu precisava da autoficção porque o livro nasceu de um trauma e foi um ponto de partida obrigatório, não havia outra saída. A única forma de assumir as histórias que vivenciei foi passando-a para os outros. Entretanto, a autoficção neste livro está tão diluída que nem sei se é válido chamá-lo de um livro autoficcional. O delírio é tão grande na febre que ele come qualquer resquício de realidade. Febre de Enxofre é tudo, menos realista, ou qualquer sinônimo do real. É um real dentro de uma quitinete em terremoto constante. O livro engana o leitor. É um romance que mergulha em inúmeras formas e operações; imagino que a autoficção é só uma peça de um quebra-cabeça gigante.
O escritor Ben Lerner, autor de “Estação Atocha”, compartilha uma opinião interessante sobre a autoficção:
“"Há muita diferença entre um protagonista falando de si mesmo e um escritor que só fala de si mesmo. Há uma grande diferença entre descrever a autoabsorção, tema interessante e urgente, e simplesmente sucumbir a ela. E, claro, depende da qualidade do escritor: Montaigne falando sobre si mesmo é diferente de Paris Hilton falando sobre ela mesma.
Acho que certo grau de autorrefêrencia será sempre útil na narrativa. Não estou comprometido com a autoficção em geral. Apenas com o uso de material biográfico se sinto que me ajuda a construir um livro convincente e urgente.”
Outro escritor que me influenciou foi Michel Leiris e seu livro A Idade Viril. Termino a minha resposta com um trecho decisivo deste livro:
“Escrever um livro que representasse um ato foi, em suma, o objetivo que achei que devia buscar quando escrevi A idade viril. Ato em relação a mim próprio, pois ao redigi-lo eu pretendia elucidar, graças a essa formulação mesma, certas coisas ainda obscuras para as quais a psicanálise, sem torná-las inteiramente claras, havia despertado minha atenção quando a experimentei como paciente […] Ato, enfim, no plano literário, consistindo em mostrar o avesso dos mapas, em fazer ver em toda a sua nudez pouco excitante as realidades que formavam a trama mais ou menos disfarçada, sob aparências que se queriam brilhantes, de meus outros escritos. Tratava-se menos, aí, do que se convencionou chamar ‘literatura engajada’, e sim de uma literatura na qual eu tentava me engajar por inteiro.” 
A urgência, o ato e o risco deste "engajar por inteiro" me seguiram do começo ao fim da Febre de Enxofre.

Wander - Como tem sido a repercussão do livro?

Bruno - Boa. Melhor do que imaginei. Quando estou escrevendo não penso em repercussão. Escrevo e ponto. Mas devo dizer que o feedback que venho recebendo do livro está me deixando contente. Ando recebendo ótimas e elucidadas leituras da febre. A Editora Penalux está me dando um excelente suporte. É uma editora incrível. Já conquistei várias resenhas e críticas, de autores, booktubers, curiosos, críticos. Tá sendo falado em jornais, blogs, boca a boca, sites literários, etc. Enfim, o livro está rodando e até agora só escutei coisas boas sobre ele. Espero que continue assim.

Wander -  Sei um pouco sobre o processo de criação do romance que se deu como parte de seu mestrado em Escrita Criativa. Esse ramo de especialização das letras ainda é visto com muita desconfiança de um modo geral, até com certo preconceito. A que você acha que se deve essa desconfiança e o que proporia para suavizar seus efeitos?

Bruno - Essa desconfiança existe por causa da ignorância. Algumas pessoas que falam mal da Escrita Criativa não sabem o que é a Escrita Criativa.  “E tem como ensinar a escrever? E tem como ensinar a ser criativo?” Infelizmente, as pessoas ainda acham que ser criativo é um dom para poucos. Criatividade é labuta, exercício, busca, falha, caça, suor, esforço, apropriação, conflito. Não tem nada a ver com dom, pelo contrário. Em relação à literatura a coisa não muda. Muita gente pensa que só alguns abençoados pela deusa do Lirismo & Poiesis podem fazer literatura. É uma visão extremamente equivocada e pueril.

O ato da Escrita Criativa sempre existiu, só não tinha um nome. Trocar textos, revisar, pedir para alguém confiável ler e opinar, ler e opinar o texto de alguém, estudar, decifrar e desossar outros autores, estudar uma obra a fundo, escrever pra caralho, apagar, escrever mais, apagar, escrever, enfim, isso e muito mais fazem parte do eixo da Escrita Criativa, e são coisas que sempre existiram.

Afinal, para mim, escrever é como fazer um churrasco. Não podemos chegar lá e simplesmente jogar a carne na grelha. É preciso selecionar bem a carne. O corte. Utilizar corretamente o sal, pois colocar sal na carne parece ser a coisa mais fácil do mundo, mas não é. A quantidade de sal que se coloca nela pode definir se a carne vai prestar ou não. O sal é a linguagem e os procedimentos, a carne é a trama, o núcleo duro, o que você quer contar, e a grelha é a escrita, a ação, o fogo da palavra no papel. O excesso de grelha pode queimar a carne. O excesso pode destruir a sua obra.

Barthes dizia que o escritor talentoso é aquele que conhece os seus limites. Saiba até onde você pode ir, conheça o seu sinal vermelho e o obedeça. O bom escritor é aquele que sabe a hora de parar pra não deixar a carne queimar.  O meu mestrado de Escrita Criativa me ensinou isso e outras técnicas de churrasco.

Quanto a solucionar os problemas dos preconceituosos da Escrita Criativa, a única coisa que pode ser feita para suavizar isso é destruir a ignorância das pessoas pela raiz. Posso auxiliar nisso indicando um excelente texto sobre o assunto, escrito pelo amigo Tiago Germano: http://literatortura.com/2016/11/5-ideias-equivocadas-sobre-oficinas-literarias/

Enfim, fora essa ignorância, eu vejo também que muitos autores criticam a Escrita Criativa por pura canalhice ou para criarem um personagem de escritor badass-fodão que aprendeu a escrever nas ruas, na sarjeta, na bosta. Nego que faz marketing de escritor transgressor e força a barra até dizer chega. No caso dessa gente, só consigo rir, pois até para ser retardado tem limite. Mas enfim, cada criança brinca com o playground do seu gosto.

Wander -  Outra área por onde você caminha é a literatura de horror.  Ouso dizer que o gênero não é tão bem difundido no país, ao menos no que diz respeito aos escritores. Já sofreu algum tipo de problema por escrever coisas desse tipo?

Bruno - Nunca sofri nada por causa das minhas escolhas, pois eu banco todas elas. Sério, não é arrogância, é só ter culhão pra bancar o que você faz. Obviamente que vender um romance como a “ressignificação do vampirismo” é um risco. O mito do vampiro tornou-se mercadoria literária da pior qualidade nos últimos anos, mas eu precisava dela. Mesma coisa com a autoficção. Muitos podem dizer: “Um livro brasileiro autoficcional com vampiros? Cruzes!”, mas eu precisava trabalhar com esses temas e não podia fugir deles. O leitor que não quiser ler o meu livro por causa disso, saiba que é um leitor que fico muito feliz de não ter. O terror inicial desse livro mora em Fausto, de Goethe. O meu intuito a priori foi criar uma releitura dessa obra. Com o passar das escritas, outras influências foram entrando, mas eu nunca perdi o meu ponto de partida: Fausto. O horror entra também como a metáfora de um amor destruído. É um livro de amor, perda, mas também um livro sobre a origem da criação literária e poética. Para mim, é um livro “do contra”. Eu geralmente gosto de ser contra todos, pode parecer infantil isso, mas a minha literatura sempre parte da negação e do conflito. Para conceber essa proposta, busquei um dos períodos que mais me influenciam e que visualizo uma explosão criativa intensa: o século XIX. Dentro deste período, recortei o romantismo e suas influências. Fui dos simbolistas até os decadentistas e mergulhei em suas obras. Fui atrás de Mary Shelley e Bram Stoker, entrei no grotesco até me perder, e o resultado foi a febre. Para alguns leitores, o livro é de terror. Eu acho isso maravilhoso, pois é uma leitura que faz com que eu avalie o romance de outra forma, já que eu nunca pensei nele como um livro de terror, mas realmente é possível lê-lo neste registro. A magia dos leitores reside nisso: ressignificar a obra.

Wander - Música também é algo frequente na sua literatura. Como ela te influencia? Estariam os músicos em pé de igualdade com suas influências literárias?

Bruno - Acredito que sim. A música sempre esteve presente nos meus textos. Seja citando-as ou como referência direta. No caso da Febre de Enxofre eu cito músicas e utilizo dos seus recursos na linguagem. Um dos protagonistas, Manuel di Paula, é DJ. Aprofundei-me bastante no mundo da música eletrônica experimental por causa dele. Até montei uma banda com o escritor gaúcho Matheus Borges, chamada Creepypasta, por conta dessa minha pesquisa.
Fora a música eletrônica, o punk rock também me influenciou. Eu queria criar um ritmo no romance que fizesse jus ao título. Uma febre demoníaca com parágrafos longos e pouquíssimas pausas para respiração. A primeira coisa que veio na minha cabeça, obviamente, foi o punk. Depois de muita reflexão, veio não só um álbum, mas um clássico da insanidade: o álbum Fun House da banda americana The Stooges. As faixas deste álbum foram gravadas ao vivo, sequenciais, sem edições no processo e com nenhum ou poucos overdubs. A banda era conhecida na época pelas performances apocalípticas nos shows ao vivo e por isso Fun House foi gravado dessa forma. Como conceber uma escritura “ao vivo” foi um dos meus questionamentos enquanto escrevia. Uma literatura que pudesse alcançar um nível próximo da escrita automática, mas que fosse sóbria e consciente dos seus atos. Um dilúvio de raiva e potência literária e musical. Um Borges com pico na veia. Um Saramago com crise de abstinência. Iggy Pop poeta. Etc.
Se eu consegui fazer isso, só os leitores poderão dizer.

Wander - O quem vem de novidade por aí?

Bruno - No começo do ano soltei na Amazon o meu romance Glitter, em ebook. O livro foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2016 e do Prêmo Kindle. Fora isso, vou participar de várias antologias e estou organizando duas: uma com a editora argentina Outsider e uma sobre o Horacio Quiroga. Em breve volto a ministrar os meus cursos de Escrita Criativa e acho que até o final do segundo semestre sai um quadrinho que roteirizei sobre o poeta Castro Alves, pela editora Patmus. Boas coisas estão vindo por aí.

Wander - Deixe uma mensagem aos leitores do blog.

Beijos e abraços no coração de todos. Comprem a Febre de Enxofre aqui: http://www.editorapenalux.com.br/loja/product_info.php?products_id=497


Amém.

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